Rogério Pires, diretor da divisão de veículos comerciais da Voith Turbo América do Sul: “A tecnologia é um facilitador para a transição energética, mas a política pública é determinante”

A empresa, que completa 60 anos de presença no Brasil, apresentou na Lat.Bus 2024 os produtos relacionados à eficiência energética no transporte coletivo por ônibus: o Voith Electrical Drive System (VEDS), que busca melhorar a capacidade operacional com a menor quantidade de baterias, e a nova transmissão Diwa NXT de sete velocidades, para veículos convencionais com a solução de híbrido leve (mild hybrid)

Sonia Moraes

Technibus – Qual o balanço dos 60 anos da Voith no Brasil?

Rogério Pires Ao longo de 38 anos de empresa, tive a oportunidade de vivenciar todo o desenvolvimento e a transferência de tecnologia da matriz para o Brasil. No segundo ciclo, eu me orgulho como brasileiro, de ver a transferência de know how do Brasil para outras partes do mundo. Toda a produção de turbinas para hidrelétricas que a Voith faz na China tem DNA 100% brasileiro. E dentro da Voith a gente trabalha nesse nível de colaboração entre os vários países para aprender um com o outro. É comum ter reuniões regulares com a África do Sul, Austrália, Estados Unidos e a Europa para troca de experiências. A gente busca soluções que ainda não estão disponíveis no mercado.

Technibus – Quanto representa a divisão brasileira para o grupo Voith?

Rogério Pires Deve estar em torno de 10%. É difícil fazer essa conta por várias razões, pois é um número combinado com o que vem de fora é e contabilizado e não contabilizado pela unidade brasileira. Na Voith Turbo, divisão de veículos comerciais, a transmissão é feita na Alemanha porque lá tem nível de automação elevado, com grande volume de produção, e a montagem é finalizada no Brasil.

Technibus – Como é o fornecimento para as montadoras no Brasil?

Rogério Pires A Voith tem estoque para atender as montadoras. Para a Mercedes-Benz, por exemplo, o fornecimento é em just-in-sequence – o equipamento sai da Voith no Brasil e vai direto para a linha de montagem na fábrica de São Bernardo do Campo (SP). É um processo rápido, pois se tivesse que importar da Alemanha tem que ter um programa de logística e ainda corre o risco de atraso no trânsito dos navios.

Technibus – Como é a atuação da Voith em outros países da América do Sul?

Rogério Pires A Voith está presente no Peru, Chile, Argentina e Colômbia. Nestes países, a função das empresas é o atendimento de assistência técnica, com o fornecimento de peças e serviços dentro do ciclo de vida dos produtos.

Technibus – Ao longo dos 60 anos, após passar por tantas mudanças, o período atual é mais desafiador com a transição energética?

Rogério Pires Eu diria que é uma evolução contínua. Agora é somente mais uma fase. A única diferença nesta transição energética é o viés geopolítico que sobrepassa em alguns momentos a lógica tecnológica ou a sustentabilidade técnico financeira de qualquer equipamento, porque um político quer uma determinada configuração de veículo e não significa que é o melhor veículo para aquela operação. E a responsabilidade política é de um e dois mandatos no máximo, enquanto o veículo transcende quatro ou cinco mandatos.

Technibus – O que a Voith tem feito para enfrentar esse momento desafiador?

Rogério Pires O que tentamos fazer e justamente por meio de eventos como a Lat.Bus é tentar influenciar a sociedade, incluindo os políticos, porque a gente tem que trazer o pessoal para a “terra”, pois isso é muito significativo neste momento. A Acea (Associação Europeia dos Fabricantes de Automóveis) está tentando influenciar a sociedade europeia sobre a interferência política nesta transição. A Europa tem sido uma fonte de aprendizado muito importante para que não se cometa os mesmos erros aqui. É muito difícil prever como isso vai acontecer. Particularmente acho que toda essa questão da globalização vai ter uma reversão importante – ela já existe, a própria pandemia já gerou isso. E agora, em função da transição energética a coisa ficou ainda mais complicada.

Technibus – Quais são os riscos?

Rogério Pires Eu vejo que de alguma maneira os países ou regiões vão estar mais fechados até para as exportações, então não vai ser um caminho tão simples. O Brasil pode exportar, tem tecnologia e qualidade, mas os chineses têm também, e eles atuam em mercados que antes o país atuava. Cito como exemplo a África, mercado em que o Brasil era um grande exportador de veículos, principalmente veículos comerciais e especialmente ônibus. Hoje o mercado africano é praticamente dominado pelas montadoras chinesas.

Technibus – Qual é o potencial da China?

Rogério Pires A China tem uma estratégia quinquenal, com planos a cada cinco anos muito bem planejados e executados à risca e dentro desse contexto a indústria de veículos comerciais ficou muito grande lá. Tem um potencial gigantesco em função da produção, mas hoje está com ociosidade. Dentro da cultura chinesa reduzir essa ociosidade fechando fábrica e demitindo empregados é um sinal de fracasso, então eles preferem usar essa capacidade em outros lugares, como Brasil.

Technibus – E o Chile, como está posicionado nesta transição energética?

Rogério Pires Não dá para usar o Chile como referência, porque é menor que a região metropolitana de São Paulo. É uma economia dinâmica, mas o Chile dentro do contexto geopolítico tem todo o interesse do mundo no processo de eletrificação porque ele fornece dois elementos-chave da eletrificação que é o cobre e o lítio. Por isso, estão agressivos na eletrificação e a geopolítica manda.

Technibus – Na Voith Turbo a demanda maior é de ônibus ou caminhão?

Rogério Pires Está oscilando bastante, porque aqui no Brasil com a introdução do Euro 6, tivemos uma recessão importante do mercado, que era esperada, mas foi além da conta e agora existe uma certa retomada. O mercado de ônibus teve uma evolução importante e a Voith tem o seu foco maior em veículos urbanos pesados, tipo padron, articulado, biarticulado, superarticulado.

Technibus – O avanço dos elétricos reduz o fornecimento da Voith?

Rogério Pires Não, porque a empresa fornece sistema de tração elétrica também e é no sistema de tração que está a força do grupo Voith. Fazer um sistema de tração elétrica no aspecto básico não é tão complicado – tem um inversor de frequência, um motor elétrico, que é alimentado pela bateria – é relativamente simples. Agora fazer com que esse sistema consiga operar de forma tão eficiente e carregar a menor quantidade de bateria possível, esse é o desafio e a nossa proposta tecnológica foi de oferecer para o mercado um sistema de tração elétrica com nível de eficiência diferenciada.

Technibus – Como chama esse sistema?

Rogério Pires Esse sistema é chamado de Voith Electrical Drive System (VEDS). Desenvolvemos o conceito desse sistema por volta de 2018 e tivemos um eco interessante no Reino Unido, porque lá eles trabalham com ônibus de dois andares, que é um veículo curto, de 10,5 metros, com piso baixo integral e o teto ocupado com assento. Então, eles têm restrição gigantesca de quantidade de baterias e adotaram o sistema da Voith como sistema de tração básico e a empresa está tendo muito sucesso neste mercado. Estamos conseguindo de 20 a 25% de melhora de eficiência energética.

Technibus – A Voith já está fornecendo o VEDS para o Reino Unido?

Rogério Pires A Voith tem mais ou menos 1.000 sistemas de tração operando no Reino Unido. A empresa fornece esse sistema para a Alexander Dennis e a WrightBus, duas montadoras inglesas, e agora começa a expandir para outros lugares. Já vemos exportação dessas montadoras para os Estados Unidos e para a Ásia.

Technibus – Como está o fornecimento no Brasil?

Rogério Pires O Brasil ainda está na primeira fase da transição energética. O que estamos tentando aqui, e foi justamente a mensagem da empresa na Lat.Bus é de tentar pular da primeira para a terceira fase. A intenção no evento foi mostrar os produtos relacionados à eficiência energética no transporte coletivo por ônibus: o Voith Electrical Drive System (VEDS), que busca melhorar a capacidade operacional com a menor quantidade de baterias, e nova transmissão Diwa NXT de sete velocidades, para veículos convencionais com a solução de híbrido leve (mild hybrid) de 48 V integrado. A empresa acredita que dentro dessa transição energética a eletrificação vai ocorrer, mas em uma velocidade sustentável, principalmente do ponto de vista financeiro operacional. Não dá para abrir mão de que é a operação é que manda e não o veículo. Ele tem que atender a população.

Technibus – A tecnologia vai ajudar a acelerar a transição energética?

Rogério Pires Eu diria que é uma combinação. A tecnologia é um facilitador para a transição energética, mas é a política pública que é determinante. A política pública determina o caminho a ser seguido.

Technibus – E qual é o papel da indústria?

Rogério Pires Como indústria, como provedor de tecnologia, temos a obrigação de esclarecer o meio político no sentido de traçar uma política pública de transição energética que seja sustentável dentro de todos os aspectos, não somente o meio ambiente, mas socialmente e principalmente economicamente.

Technibus – E o veículo tem que ser sustentável desde que nasce até quando for descartado não é mesmo?

Rogério Pires Esse é outro aspecto. O projeto Mover tem como política pública um viés muito interessante e se a gente consegue combinar tecnologia com políticas públicas adequadas todo mundo ganha. Não existe melhor isso do que aquilo. Existe isso e aquilo. A combinação de tecnologias e de políticas públicas é o que vai prevalecer, porque, principalmente quando se fala de veículos comerciais, existem aplicações inúmeras e cada aplicação tem uma certa vocação, uma certa necessidade e não existe um que serve para tudo.

Technibus – Qual é a atuação da Voith neste processo?

Rogério Pires A Voith acredita que consiga trabalhar de duas formas. Para veículos elétricos a empresa tem o VEDS, que busca melhorar a capacidade operacional em termos de carga e autonomia diária com a menor quantidade de baterias possível. Isso significa redução de peso e custo com maior oferta de transporte de passageiros. Para o momento de transição atual tem a solução de híbrido leve (mild hybrid) de 48 V integrado à nova transmissão Diwa NXT de sete velocidades, para veículos convencionais, seja diesel, biodiesel, biometano e gás natural. Esse produto tem demonstrado um potencial de economia superior a 15% em sistemas de tração convencional com motores a combustão.

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