Technibus – Qual o balanço dos 60 anos da Voith no Brasil?
Rogério Pires – Ao longo de 38 anos de empresa, tive a oportunidade de vivenciar todo o desenvolvimento e a transferência de tecnologia da matriz para o Brasil. No segundo ciclo, eu me orgulho como brasileiro, de ver a transferência de know how do Brasil para outras partes do mundo. Toda a produção de turbinas para hidrelétricas que a Voith faz na China tem DNA 100% brasileiro. E dentro da Voith a gente trabalha nesse nível de colaboração entre os vários países para aprender um com o outro. É comum ter reuniões regulares com a África do Sul, Austrália, Estados Unidos e a Europa para troca de experiências. A gente busca soluções que ainda não estão disponíveis no mercado.
Technibus – Quanto representa a divisão brasileira para o grupo Voith?
Rogério Pires – Deve estar em torno de 10%. É difícil fazer essa conta por várias razões, pois é um número combinado com o que vem de fora é e contabilizado e não contabilizado pela unidade brasileira. Na Voith Turbo, divisão de veículos comerciais, a transmissão é feita na Alemanha porque lá tem nível de automação elevado, com grande volume de produção, e a montagem é finalizada no Brasil.
Technibus – Como é o fornecimento para as montadoras no Brasil?
Rogério Pires – A Voith tem estoque para atender as montadoras. Para a Mercedes-Benz, por exemplo, o fornecimento é em just-in-sequence – o equipamento sai da Voith no Brasil e vai direto para a linha de montagem na fábrica de São Bernardo do Campo (SP). É um processo rápido, pois se tivesse que importar da Alemanha tem que ter um programa de logística e ainda corre o risco de atraso no trânsito dos navios.
Technibus – Como é a atuação da Voith em outros países da América do Sul?
Rogério Pires – A Voith está presente no Peru, Chile, Argentina e Colômbia. Nestes países, a função das empresas é o atendimento de assistência técnica, com o fornecimento de peças e serviços dentro do ciclo de vida dos produtos.
Technibus – Ao longo dos 60 anos, após passar por tantas mudanças, o período atual é mais desafiador com a transição energética?
Rogério Pires – Eu diria que é uma evolução contínua. Agora é somente mais uma fase. A única diferença nesta transição energética é o viés geopolítico que sobrepassa em alguns momentos a lógica tecnológica ou a sustentabilidade técnico financeira de qualquer equipamento, porque um político quer uma determinada configuração de veículo e não significa que é o melhor veículo para aquela operação. E a responsabilidade política é de um e dois mandatos no máximo, enquanto o veículo transcende quatro ou cinco mandatos.
Technibus – O que a Voith tem feito para enfrentar esse momento desafiador?
Rogério Pires – O que tentamos fazer e justamente por meio de eventos como a Lat.Bus é tentar influenciar a sociedade, incluindo os políticos, porque a gente tem que trazer o pessoal para a “terra”, pois isso é muito significativo neste momento. A Acea (Associação Europeia dos Fabricantes de Automóveis) está tentando influenciar a sociedade europeia sobre a interferência política nesta transição. A Europa tem sido uma fonte de aprendizado muito importante para que não se cometa os mesmos erros aqui. É muito difícil prever como isso vai acontecer. Particularmente acho que toda essa questão da globalização vai ter uma reversão importante – ela já existe, a própria pandemia já gerou isso. E agora, em função da transição energética a coisa ficou ainda mais complicada.
Technibus – Quais são os riscos?
Rogério Pires – Eu vejo que de alguma maneira os países ou regiões vão estar mais fechados até para as exportações, então não vai ser um caminho tão simples. O Brasil pode exportar, tem tecnologia e qualidade, mas os chineses têm também, e eles atuam em mercados que antes o país atuava. Cito como exemplo a África, mercado em que o Brasil era um grande exportador de veículos, principalmente veículos comerciais e especialmente ônibus. Hoje o mercado africano é praticamente dominado pelas montadoras chinesas.
Technibus – Qual é o potencial da China?
Rogério Pires – A China tem uma estratégia quinquenal, com planos a cada cinco anos muito bem planejados e executados à risca e dentro desse contexto a indústria de veículos comerciais ficou muito grande lá. Tem um potencial gigantesco em função da produção, mas hoje está com ociosidade. Dentro da cultura chinesa reduzir essa ociosidade fechando fábrica e demitindo empregados é um sinal de fracasso, então eles preferem usar essa capacidade em outros lugares, como Brasil.
Technibus – E o Chile, como está posicionado nesta transição energética?
Rogério Pires – Não dá para usar o Chile como referência, porque é menor que a região metropolitana de São Paulo. É uma economia dinâmica, mas o Chile dentro do contexto geopolítico tem todo o interesse do mundo no processo de eletrificação porque ele fornece dois elementos-chave da eletrificação que é o cobre e o lítio. Por isso, estão agressivos na eletrificação e a geopolítica manda.
Technibus – Na Voith Turbo a demanda maior é de ônibus ou caminhão?
Rogério Pires – Está oscilando bastante, porque aqui no Brasil com a introdução do Euro 6, tivemos uma recessão importante do mercado, que era esperada, mas foi além da conta e agora existe uma certa retomada. O mercado de ônibus teve uma evolução importante e a Voith tem o seu foco maior em veículos urbanos pesados, tipo padron, articulado, biarticulado, superarticulado.
Technibus – O avanço dos elétricos reduz o fornecimento da Voith?
Rogério Pires – Não, porque a empresa fornece sistema de tração elétrica também e é no sistema de tração que está a força do grupo Voith. Fazer um sistema de tração elétrica no aspecto básico não é tão complicado – tem um inversor de frequência, um motor elétrico, que é alimentado pela bateria – é relativamente simples. Agora fazer com que esse sistema consiga operar de forma tão eficiente e carregar a menor quantidade de bateria possível, esse é o desafio e a nossa proposta tecnológica foi de oferecer para o mercado um sistema de tração elétrica com nível de eficiência diferenciada.
Technibus – Como chama esse sistema?
Rogério Pires – Esse sistema é chamado de Voith Electrical Drive System (VEDS). Desenvolvemos o conceito desse sistema por volta de 2018 e tivemos um eco interessante no Reino Unido, porque lá eles trabalham com ônibus de dois andares, que é um veículo curto, de 10,5 metros, com piso baixo integral e o teto ocupado com assento. Então, eles têm restrição gigantesca de quantidade de baterias e adotaram o sistema da Voith como sistema de tração básico e a empresa está tendo muito sucesso neste mercado. Estamos conseguindo de 20 a 25% de melhora de eficiência energética.
Technibus – A Voith já está fornecendo o VEDS para o Reino Unido?
Rogério Pires – A Voith tem mais ou menos 1.000 sistemas de tração operando no Reino Unido. A empresa fornece esse sistema para a Alexander Dennis e a WrightBus, duas montadoras inglesas, e agora começa a expandir para outros lugares. Já vemos exportação dessas montadoras para os Estados Unidos e para a Ásia.
Technibus – Como está o fornecimento no Brasil?
Rogério Pires – O Brasil ainda está na primeira fase da transição energética. O que estamos tentando aqui, e foi justamente a mensagem da empresa na Lat.Bus é de tentar pular da primeira para a terceira fase. A intenção no evento foi mostrar os produtos relacionados à eficiência energética no transporte coletivo por ônibus: o Voith Electrical Drive System (VEDS), que busca melhorar a capacidade operacional com a menor quantidade de baterias, e nova transmissão Diwa NXT de sete velocidades, para veículos convencionais com a solução de híbrido leve (mild hybrid) de 48 V integrado. A empresa acredita que dentro dessa transição energética a eletrificação vai ocorrer, mas em uma velocidade sustentável, principalmente do ponto de vista financeiro operacional. Não dá para abrir mão de que é a operação é que manda e não o veículo. Ele tem que atender a população.
Technibus – A tecnologia vai ajudar a acelerar a transição energética?
Rogério Pires – Eu diria que é uma combinação. A tecnologia é um facilitador para a transição energética, mas é a política pública que é determinante. A política pública determina o caminho a ser seguido.
Technibus – E qual é o papel da indústria?
Rogério Pires – Como indústria, como provedor de tecnologia, temos a obrigação de esclarecer o meio político no sentido de traçar uma política pública de transição energética que seja sustentável dentro de todos os aspectos, não somente o meio ambiente, mas socialmente e principalmente economicamente.
Technibus – E o veículo tem que ser sustentável desde que nasce até quando for descartado não é mesmo?
Rogério Pires – Esse é outro aspecto. O projeto Mover tem como política pública um viés muito interessante e se a gente consegue combinar tecnologia com políticas públicas adequadas todo mundo ganha. Não existe melhor isso do que aquilo. Existe isso e aquilo. A combinação de tecnologias e de políticas públicas é o que vai prevalecer, porque, principalmente quando se fala de veículos comerciais, existem aplicações inúmeras e cada aplicação tem uma certa vocação, uma certa necessidade e não existe um que serve para tudo.
Technibus – Qual é a atuação da Voith neste processo?
Rogério Pires – A Voith acredita que consiga trabalhar de duas formas. Para veículos elétricos a empresa tem o VEDS, que busca melhorar a capacidade operacional em termos de carga e autonomia diária com a menor quantidade de baterias possível. Isso significa redução de peso e custo com maior oferta de transporte de passageiros. Para o momento de transição atual tem a solução de híbrido leve (mild hybrid) de 48 V integrado à nova transmissão Diwa NXT de sete velocidades, para veículos convencionais, seja diesel, biodiesel, biometano e gás natural. Esse produto tem demonstrado um potencial de economia superior a 15% em sistemas de tração convencional com motores a combustão.