Technibus – Em março, a NTU já alertava que o transporte coletivo entraria em colapso em virtude da pandemia. Como está a situação atualmente?
Otávio Vieira da Cunha Filho – A situação continua cada vez mais grave. Estamos caminhando para o colapso. A segunda edição da pesquisa do setor, realizada recentemente pela NTU, “Covid-19 e o transporte público por ônibus: impactos no setor e ações realizadas”, revela prejuízo acumulado de R$ 2,1 bilhões, queda de 71% no número de passageiros e aumento de 80% nas demissões, além de redução e paralisações do serviço em várias cidades.
Technibus – O que o poder público (esferas municipais, estaduais e federal) fez para apoiar o setor?
Otávio Vieira da Cunha Filho – Até o momento, o desequilíbrio entre as receitas e custos no período da pandemia pode ser dividido em duas fases. Na primeira fase, ou seja, durante a segunda quinzena de março e até o dia 5 de abril de 2020, os prejuízos foram completamente absorvidos pelas empresas, sem qualquer apoio ou subvenção. Na segunda fase, de 6 de abril até 15 de maio de 2020, já com a vigência da Medida Provisória (MP) 936, os prejuízos foram parcialmente amortizados. A MP 936 permitiu a suspensão temporária de contratos e a redução da carga horária de trabalho e dos salários.
Os efeitos da medida têm validade de três meses e exigem a manutenção do quadro de trabalhadores atingidos por no mínimo mais 60 ou 90 dias, dependendo do tipo de acordo feito. Após o fim do prazo de efeito da MP, as empresas voltarão a ter um impacto significativo da folha de pagamento nos custos. Essa realidade, somada à continuidade da forte queda da receita tarifária e à falta de apoio do governo federal com alguma medida de socorro financeiro substancial direcionada para o setor, poderá provocar o encerramento das atividades, ou mesmo a falência, de uma quantidade grande de operadoras.
Technibus – O que a NTU pleiteia junto ao poder público?
Otávio Vieira da Cunha Filho – Nesse sentido, nossa principal proposta de resgate do setor, formulada até o momento, é o projeto elaborado com base na proposta levada por entidades ligadas ao transporte público para o governo federal, ainda no início da pandemia. A sugestão é criar um programa que consiste na aquisição mensal de créditos eletrônicos de passagens, enquanto perdurar a crise do Covid-19, em volume suficiente para cobrir a diferença entre receita e despesa das empresas. O transporte público é atividade essencial e precisa continuar rodando mesmo com baixa demanda. Segundo a proposta, cada crédito eletrônico de passagem corresponde a uma tarifa pública vigente no sistema de transporte coletivo por ônibus de cada localidade. Assim, o governo federal poderia usar os créditos do programa Transporte Social como um estoque a ser empregado agora depois da crise do coronavírus, para distribuir entre os beneficiários dos seus próprios programas sociais. A proposta é assinada pelo Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana, Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e NTU. Desde que foi proposto, o programa já serviu de subsídio para a criação de projetos de lei no Congresso. Infelizmente, ainda não teve o desfecho que o setor espera, porque não foi acatada pelo governo federal.
Technibus – É possível pensar em novos subsídios para o transporte coletivo, como já ocorre em cidades como São Paulo?
Otávio Vieira da Cunha Filho – Seria uma opção, já que os novos protocolos sanitários adotados em muitas cidades implicam aumento da oferta para uma demanda reduzida, de modo a reduzir as aglomerações. Esse custo precisa ser coberto de alguma forma e não dá para pensar em reajustes tarifários nesse momento, em que muitas pessoas tiveram perda de renda. Um caminho seria buscar nos orçamentos públicos aqueles recursos que não estão sendo usados, e que poderiam ser usados por estados e municípios para aliviar o peso do transporte público. A verdade é que, com o país em crise e com a falta de sensibilidade do governo federal, e até da justiça brasileira, para a situação crítica do transporte coletivo urbano, tem sido difícil levar adiante soluções. Cidades como Brasília e Curitiba se propuseram a dar esse apoio às empresas de ônibus coletivo, mas foram impedidas pelos respectivos ministérios públicos de continuar oferecendo esse apoio financeiro. O desafio é grande e algo precisa ser feito, do contrário não teremos transporte público quando a pandemia passar. Outros países estão investindo somas expressivas para evitar a quebra de seus sistemas de transporte público.
Technibus – Com a flexibilização das medidas de isolamento social, o senhor acredita que a situação do transporte coletivo deve se normalizar?
Otávio Vieira da Cunha Filho – A defasagem entre receita e despesa deve diminuir, mas tudo indica que vai se manter. O modelo atual está inviabilizado. Será necessária uma série de ajustes e medidas para reestruturação da oferta desse serviço, no modelo de custeio e de operação no pós-pandemia.
Technibus – Qual a sua expectativa para os próximos meses?
Otávio Vieira da Cunha Filho – Infelizmente, nossa expectativa não é boa. Se nada for feito para socorrer financeiramente o setor de transporte coletivo urbano no Brasil, mais da metade das empresas vai deixar de operar no pós-pandemia. A crise do setor só tende a se tornar mais aguda, pela falta de recursos para manter a operação do serviço. O colapso não ocorrerá da noite para o dia, mas está em curso.
Technibus – A tecnologia tem ajudado o setor a se planejar nesse período de crise?
Otávio Vieira da Cunha Filho – Nosso planejamento passa por ações conjuntas entre poder público, gestores do serviço nos estados e municípios, e as empresas. O transporte coletivo urbano é um serviço de natureza essencial, público e concedido à iniciativa privada, portanto não há como fazer planejamento sem a participação dos entes públicos. Temos visto um aumento do interesse das empresas e gestores públicos locais em tecnologias de gestão de operações e gestão de frotas, que podem responder com mais rapidez aos ajustes no planejamento da oferta e sua adequação à demanda, que têm variado muito, às vezes de um dia para o outro. Mas o problema é que essas inovações custam, e também esbarram numa legislação que impede iniciativas dos operadores na oferta de serviços sob demanda, complementares à rede pública básica, e no momento, ninguém está com margem para novos investimentos.