Justiça julga em 26 de março ação sobre mototáxi por aplicativo em São Paulo

Em 2024, a capital paulista registrou recorde de 483 óbitos de motociclistas – 20% a mais do que no ano anterior

Alexandre Asquini

Na última semana de março, haverá novo desdobramento do embate entre a prefeitura de São Paulo e as empresas operadoras de plataformas de aplicativo a respeito da possibilidade de utilização de motocicletas para transporte individual remunerado de passageiros por aplicativos na capital.

Ao participar em 19 de março do seminário Serviço de mototáxi em São Paulo, promovido pelo Instituto de Engenharia, o secretário municipal adjunto de mobilidade urbana e transporte da capital, Rafael Toniato Mangerona, informou que o Tribunal de Justiça do Estado julgará na quarta-feira, 26 de março de 2025, uma ação referente à constitucionalidade do decreto número 62.144, de 6 de janeiro de 2023, que suspendeu temporariamente a possibilidade de esse serviço ser prestado de maneira regular na capital paulista.

O secretário disse no encontro que um grupo de trabalho criado para assessorar a decisão do executivo municipal sobre o tema concluiu que a implantação desse tipo de transporte seria “um grande risco para a saúde pública, envolvendo a integridade de condutores e usuários, com potencial aumento no risco de acidentes”.

Unanimidade contra

O objetivo do seminário foi trazer visões, informações e experiências de profissionais, de referência, relacionadas aos riscos e prejuízos produzidos pelo aumento da acidentalidade com motocicletas, caso o serviço de mototáxi seja autorizado.

O encontro focalizou os impactos do transporte individual remunerado de passageiros por motos nas esferas da segurança pública, da mobilidade urbana, ambiental e da saúde. Em linhas gerais, todos os expositores se posicionaram contra a adoção do mototáxi por aplicativo, em especial na maior cidade do país.

Participaram do seminário membros do gabinete de governo do prefeito Ricardo Nunes – incluindo a titular da secretaria da pessoa com deficiência, Silvia Grecco, que representou o mandatário; médicos especialistas, dirigentes de entidades empresariais de transporte e membros do Instituto de Engenharia, além da senadora Mara Gabrilli, que, em viagem oficial ao exterior, encaminhou depoimento em vídeo.

Motos e segurança pública

Na primeira exposição do encontro, o secretário municipal de segurança urbana, Orlando Morando, alertou para o fato de as motos – assim como as armas de fogo – configurarem os principais instrumentos para prática de crimes, de modo que os passageiros do transporte por moto podem virar vítimas de criminosos que visam subtrair o veículo.

Ele levou ao seminário dados sobre roubos e furtos de motocicletas. Somando os resultados dos dois tipos de crime, foram registrados 1.485,25 casos em média por mês em 2023 e 1.573,41 casos mensais em média em 2024, significando 86,16 casos mensais a mais, em média, no último ano.

Tema ambiental

Renato Nalini, secretário municipal de mudanças climáticas disse ser necessário considerar que as motos são grandes emissoras dos poluentes causadores do aquecimento global e o número desses veículos tem crescido significativamente nos últimos anos na capital paulista: eram 833 mil unidades em 2014 e passaram a ser 1,3 milhão em 2024. “E novas motos entram diariamente nos nossos circuitos”.

Na visão do secretário, os caminhos para a mobilidade segura e sustentável passam pela regulação do transporte, segurança viária e descarbonização e eletrificação. Ele informou que a cidade conta, em março de 2025, com 631 ônibus eletrificados, num universo de aproximadamente 12 mil ônibus. “A mobilidade do futuro é segura, eficiente e sustentável e os mototáxis vão à contramão destes princípios. ”

Impactos na mobilidade

A presidente do Sindicato de Transporte Coletivo do ABC, Milena Braga Romano, afirmou no seminário que a saída para a mobilidade urbana está justamente na prioridade ao transporte público, pois, a seu ver, o mototáxi por aplicativo gera concorrência desleal, uma vez que sua operação acontece em um ambiente sem obrigações reguladoras. Ela acredita também que haveria mais obstáculos para a fluidez do trânsito e se agravaria a insegurança viária.

A dirigente entende que a operação dos mototáxis compromete o transporte coletivo, reduzindo sua viabilidade financeira, exigindo a ampliação do volume de subsídios e desestimulando investimentos. Remarcou que, para garantir cidades mais organizadas e eficientes, é essencial priorizar o transporte coletivo e, certamente, proibir a operação dos mototáxis em grandes centros urbanos.

O diretor-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Francisco Christovam, fez sua apresentação com base em um artigo de sua autoria, intitulado Serviço de Mototáxi: um falso dilema, publicado na mais recente edição da revista Technibus (veja aqui).

Após analisar o tema sob um ângulo jurídico, Christovam aponta que o transporte de passageiros por motocicletas via aplicativos representa a implementação de um modelo de negócio altamente lucrativo para as plataformas, porém sem regulamentação ou fiscalização, regido apenas pelas leis de mercado. Trata-se de uma nova atividade econômica, sem nenhum controle do poder público, capaz de estabelecer competição predatória com o transporte público regular das cidades, captando os passageiros de curta distância e não atuando em regiões de difícil acesso ou onde a demanda é rarefeita.

Segurança

Diferentes expositores mencionaram o tema da segurança do condutor e do passageiro no transporte remunerado por motocicleta. A diretora do departamento de desenvolvimento urbano e regional do Instituto de Engenharia, arquiteta Maria da Penha Nobre, fez ponderações sobre a importância de se pensar tanto em quem dirige a motocicleta como em quem é transportado.

Ela remarcou que a Lei 12.009/2009, que regulamenta as atividades de “mototaxista” e de “motoboy”, ensejou resolução do Conselho Nacional de Trânsito estabelecendo um curso mínimo, insatisfatório, para esses condutores, e não há regulamentos para equipamentos de proteção adicionais ao capacete que protejam motociclista e seu passageiro.

Questão de saúde

O médico Fernando Gomes, chefe do Grupo de Hidrodinâmica Cerebral do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina na USP, ponderou que, embora a introdução de mototáxis possa significar agilidade para os passageiros e uma alternativa econômica para seus deslocamentos, traz o aumento potencial de acidentes fatais e sequelas envolvendo motociclistas.

O diretor do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas, médico Jorge dos Santos Silva, informou ter acompanhado o fenômeno do crescimento da frota de motos a partir do final dos anos 1990 e, sobretudo, a partir de 2005, observando que o crescimento exponencial da frota de motos trouxe mudança no perfil dos que apresentam sequelas permanentes.

Disse ter havido aumento de acidentados com politraumatismo — pacientes de alta complexidade e de alto custo — que, em vez de uns poucos dias de internação, precisam de várias semanas para se recuperarem, ocupando leitos hospitalares que poderiam atender a outros pacientes. “Hoje, no instituto, temos 25% dos leitos com acidentes de longa permanência”.

Jorge dos Santos Silva comentou que, em 2024, no Brasil todo, houve 251 mil internações por acidentes de transportes terrestres. Dessas, 65% — 164.970 — correspondem a acidentes de motos. “Se estimarmos que 15% dos pacientes ficam com sequelas permanentes, veremos que os sequelados do ano passado teriam sido 24.600, mas estes se somam aos dos anos anteriores, com impacto na previdência social.

Também falou sobre o volume de feridos em acidentes de motocicletas a médica Linamara Rizzo Battistella, presidente do conselho diretor do Instituto de Medicina Física e Reabilitação, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Rede Lucy Montoro. Ela mostrou que, do total de atendimentos realizados referentes a acidentes de trânsito em geral, em 2024, 50% eram concernentes a acidentes envolvendo motos; em 2025, por enquanto, 47%.

Totalmente contra

Em seu depoimento gravado e vídeo, a senadora Mara Gabrilli deu um testemunho a respeito do que pode significar a aquisição de uma sequela grave: “Senti na pele o que é ter uma deficiência severa e trabalho há 30 anos para melhorar a vida de pessoas que infelizmente não tiveram as mesmas oportunidades que tive para seguir a vida mesmo sem movimento do pescoço para baixo”.

Ela acrescentou: “Quando a gente fala de acidentes de motos, falamos de sequelas que podem ser irreversíveis. E que podem não apenas paralisar o corpo de uma pessoa, mas toda a sua vida, inclusive a vida da família, e a vida laboral da família, porque muita gente vai ter que parar de trabalhar para cuidar dessa pessoa que se acidentou”.

Finalizando, a senadora sublinhou que apenas no ano passado foram 483 óbitos de motociclistas — “o maior índice da história” — e que esse total foi 20% maior que o de 2023. “Essas mortes representam praticamente 50% de todas as mortes registradas no trânsito da capital paulista em 2024. Olha isso! Como podemos imaginar que metade dos acidentes aconteceram com motos e mesmo assim a ainda vamos colocar mototáxi na cidade de São Paulo?”

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