Technibus – Como o Grupo Trapeze avalia o mercado latino-americano, no que se refere à mobilidade?
Artur Miranda – A América Latina tem uma característica interessante no que se refere a urbanização. Mais de 80% da população vive em cidades. É a região mais urbanizada do mundo em desenvolvimento. Entre as dez maiores cidades do continente, sete estão na América Latina: São Paulo, Cidade do México, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Bogotá, Lima e Santiago do Chile. As grandes cidades e regiões metropolitanas criam enormes desafios para a mobilidade. Pensar em um modelo hipotético no qual cada pessoa se deslocaria usando o próprio automóvel, não seria uma solução viável para transitar por grandes cidades. Não há espaço suficiente. As cidades foram crescendo de forma acelerada e sem um foco adequado no transporte coletivo que é, sem dúvida, a maneira mais eficiente para mover um grande número de pessoas entre largas distancias. Todas estas cidades tem trânsito intenso e caótico, o que faz com que as pessoas percam muito tempo para se locomover, o que acaba representando um custo de oportunidade muito grande. Há também o problema da poluição, emissão de gases. Isto é ruim não só quando se considera o aquecimento global, mas também para a saúde do passageiro e das pessoas de transitam ou vivem próximas das vias de alta circulação. Um outro fator seria com relação ao papel econômico e social. O transporte público é uma ferramenta poderosa de equidade e inclusão. Mas nem sempre os investimentos nesta área são vistos sob este ângulo. Há projetos que são criticados pelo seu alto custo e resultados abaixo do esperado. Talvez tenha faltado um planejamento adequado? E como está o transporte público latino-americano dentro deste cenário? Há ilhas de excelência e também áreas que precisam ser modernizadas. Não temos dúvidas que há um espaço imenso para melhoria da mobilidade como um todo na região, e vemos o uso de soluções de tecnologia como o grande aliado para isso. Melhorar desde o planejamento até as operações, implementando uma gestão inteligente do transporte público com ganhos de eficiência e redução de custos. Essa é a nossa missão.
Technibus – Que países são os principais focos da empresa no continente? Há muitas diferenças regionais?
Artur Miranda – Estamos estudando o mercado com a ajuda de consultores externos e com nossos próprios recursos que estão alocados para a região. Há grandes projetos em fase de elaboração ou já em processo de licitação em vários países e estamos avaliando com cuidado para poder selecionar aqueles em que poderemos contribuir de forma mais contundente com nossas soluções. Naturalmente, existe uma correlação forte entre o PIB e a população de um país e o tamanho do transporte público. Cidades grandes concentram a maioria da demanda pelo transporte coletivo em grande escala. As diferenças regionais existem, mas a estrutura dos sistemas é similar. Existem as grandes empresas, consórcios operando sistemas de transporte coletivo, como também pequenas empresas e informalidade no mercado. Algumas localidades estão mais avançadas no uso de tecnologias como por exemplo a bilhetagem eletrônica integrada em São Paulo, o bilhete único.
No México, existem várias iniciativas para modernizar e profissionalizar o sistema. Na Cidade do México e em outras grandes cidades como Guadalajara e Monterrey, são milhares de operadores, e algumas entidades de classe foram criadas para organizar o sistema, tornar mais viável e eficiente.
Technibus – Como o Brasil se diferencia dos outros países latino-americanos?
Artur Miranda – O Brasil representa praticamente 50% de toda América Latina em várias dimensões como por exemplo nas áreas econômica e demográfica. No transporte público não é diferente. É o maior mercado em alguns aspectos supera inclusive o mercado norte-americano. Por exemplo, os últimos dados publicados pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) em maio de 2020, mostram que o Brasil teve em 2018 um total de quase 19 bilhões de viagens de ônibus e trens. Nos EUA, este total está próximo de 10 bilhões. Ou seja o Brasil tem quase o dobro do número de viagens quando comparado com os EUA. Embora haja uma diferença importante, no Brasil 80% das viagens são em ônibus e 20% sobre trilhos. Nos EUA a divisão é mais balanceada, praticamente 50% para cada modo de transporte. O modelo de negócio também é distinto. Nos EUA, as agências de transporte são responsáveis pela aquisição e operação, embora terceirizem também, mas são operadores. No Brasil as agencias tem um papel mais de regulação e os operadores são empresas privadas na sua maioria. Porem a tecnologia e as necessidades dos operadores não se alteram em função disso, apenas a forma de comercialização. Processos de licitação pública são mais comuns no mercado norte-americano.
Technibus – Quais as estratégias da Trapeze para expandir sua participação no mercado latino-americano?
Artur Miranda – Nossa estratégia para o mercado latino-americano está alinhada com nossa visão que é estar constantemente trabalhando para melhorar a experiência do usuário do transporte público. A mobilidade do usuário é o centro, a razão da existência do transporte coletivo. A mobilidade urbana fomenta o desenvolvimento, o crescimento econômico e o acesso a oportunidades. Desenvolvemos produtos e tecnologias dedicadas a este segmento de mercado com o objetivo de tornar as agências e os operadores de transportes cada vez mais eficientes. Nosso portfólio de soluções é bastante amplo e queremos ser vistos como um parceiro estratégico de negócios que ira’ apoiar as empresas em todas as suas necessidades de soluções de tecnologia para planejar, operar e manter suas operações. Já estamos em contato com entidades de classe, associações e clientes diretamente para entender suas necessidades e posicionar nossa empresa e como podemos ajudá-los com soluções de classe mundial.
Technibus – A empresa pretende fazer novas parcerias na América Latina? Como deve ser esse processo?
Artur Miranda – Parcerias e alianças são extremamente importantes para a Trapeze em todas as regiões onde operamos. Trabalhamos com vários tipos de empresas mas gostaria de destacar particularmente dois modelos que estamos considerando para a América Latina. O primeiro são empresas prestadoras de serviços de implementação de soluções de tecnologia que atuariam em conjunto com a Trapeze para entregar projetos sob medida aos nossos clientes, seja como integradores de serviços ou como subcontratados. O segundo modelo se refere a empresas que tenham tecnologias complementares as nossas e que possam agregar valor na solução que estamos oferecendo ao mercado. Uma funcionalidade especifica, por exemplo uma solução para manutenção preditiva usando inteligência artificial, algo inovador que poderia complementar o portfólio.
Como trabalhamos extremamente focados em um segmento de mercado, que é o transporte público coletivo, é muito importante que este parceiro tenha um alinhamento com nossa visão de especialização e familiaridade com o setor público e contratos com o governo que tem exigências especificas. Nossos clientes esperam um alto nível de conhecimento e profundidade no setor em que operam. Trazemos isso nos nossos produtos e também dos serviços visando sempre a atendê-los da melhor maneira possível.
Enfim, estamos buscando parceiros que compartilhem a nossa visão e foco no transporte de pessoas. Esse é o nosso DNA. Precisamos encontrar empresas que tenham essa vocação e experiência em trabalhar com projetos complexos de implementação de sistemas de software junto a empresas de transporte públicas e privadas.
Technibus – Quais as novidades previstas para esse mercado?
Artur Miranda – O mercado de mobilidade, transporte público, está passando por várias transformações, mas podemos destacar três que são relevantes em todas as regiões que atuamos, e não é diferente na América Latina: foco na experiência do usuário, operações mais eficientes, “Green & Clean”, maior flexibilidade, cobertura e inclusão.
Podemos olhar isso como um ciclo virtuoso. Melhor serviço implicará maior satisfação do usuário que estará motivado a usar mais o serviço e como consequência gerar maior receita. Isso irá permitir a criação de operações mais eficientes com melhor cobertura e, por consequência, melhor a experiência do usuário. Na área de planejamento de rotas por exemplo, fechamos uma parceria com a Esri, empresa especializada em processamento de informações geográficas, para ampliar nossa solução atual e agregar novas fontes de dados, informações geográficas, demográficas e econômicas para facilitar e flexibilizar o planejamento de vias existentes ou novas, multimodais, pontos de parada, estações. Esta funcionalidade é bem interessante principalmente em função da pandemia que vem obrigando as empresas de transporte a serem mais flexíveis em seu planejamento, podendo adaptar-se com mais rapidez as mudanças no mercado, na demanda por serviços. E também pensar no papel social do transporte público, que atua como um dos motores da economia, mas não deve ser pensado somente para transportar as pessoas economicamente ativas, e sim incluir todas aquelas que precisam se locomover por outros motivos como buscar um novo trabalho, visitar pessoas e prestar serviços. O transporte público deve oferecer mobilidade e oportunidades a todos. Uma outra área de impacto para as empresas é a gestão mais eficiente dos seus ativos. O capital investido é enorme, e a otimização do uso e manutenção são áreas críticas. Redução de custos e eficiência operacional são temas obrigatórios e extremamente relevantes neste segmento de preços controlados. Temos exemplos de empresas que conseguiram reduzir seus custos com manutenção e garantia e pagar pelo investimento no sistema em menos de um ano.
Technibus – Quais tendências devem dominar o mercado da mobilidade e transporte de passageiros na América Latina?
Artur Miranda – O transporte de passageiros, de alto volume, na América Latina é extremamente importante para o desenvolvimento da região como um todo. De acordo com a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), dois terços da população latino-americana vivem em cidades de 20 mil habitantes ou mais e quase 80% em zonas urbanas. A mobilidade é fundamental para tornar estas cidades mais viáveis não só economicamente, mas também mais limpas, atrativas, menos congestionadas e competitivas, permitindo o fluxo maior de pessoas e veículos. Não é possível se pensar em avanço nestas cidades, em modernização, sem um sistema atualizado e robusto de transporte público. O que vem ganhando força são os modelos multimodais, em que os passageiros podem utilizar vários modos de transporte para sair de um determinado ponto até seu destino final. Por exemplo, pode começar sua jornada com um táxi, ir até uma linha de metrô e finalizar o percurso caminhando ou quem sabe de bicicleta ou patinete. A ideia é oferecer flexibilidade, opções que atendam às necessidades de várias pessoas em diversas situações. Para ir ao trabalho ou ao lazer, compras ou visitas médicas e hospitalares.
Embora os mercados norte-americano e o canadense sejam diferentes do latino-americano, existem vários denominadores comuns que permeiam por todos eles. Foco em eficiência e redução de custos é uma das áreas de maior atenção dos operadores, independentemente da localidade. Nos Estados Unidos, os operadores recebem subsídios do governo e precisam operar com eficiência máxima para otimizar o uso de verbas públicas. Outra área que é universal se refere a experiência do usuário do sistema. A motivação para maior uso do sistema está ligada a qualidade dos serviços prestados. Há várias alternativas no mercado, portanto a briga pelo passageiro é permanente. Uma terceira área que podemos chamar de global, embora recente, é a preocupação com a limpeza e poluição. A pandemia trouxe a necessidade de um cuidado especial com a limpeza e desinfecção para mostrar ao usuário que o transporte público é uma opção segura. Do lado da poluição, da sustentabilidade, a adoção de veículos com baixa ou nenhuma emissão de gases poluentes é uma tendência global forte e não diferente no Brasil e América Latina. Os ônibus elétricos vêm ganhando espaço, e isso muda toda a dinâmica de manutenção, abastecimento e planejamento.
Technibus – Como a Trapeze poderá apoiar o transporte público afetado pela crise sanitária?
Artur Miranda – Um aspecto interessante que surgiu no transporte público durante a pandemia foi a desconfiança sobre a segurança do sistema com relação à propagação do vírus. Houve um esforço enorme em passar informações sobre os procedimentos de desinfecção e limpeza que foram introduzidos. Isso obviamente gerou novos processos e controles dentro das empresas. Conseguimos apoiá-las com nossas soluções de gerenciamento de ativos, ordens de serviços. Outro aspecto interessante foi a digitalização de alguns processos como o sign up de operadores para o trabalho. Normalmente, isso é feito fisicamente na garagem. Oferecemos aos clientes uma interface remota, via browser para que o operador pudesse fazer seu registro de turno de forma remota. Ainda nesta nova realidade da pandemia, muitas empresas começaram a reavaliar suas linhas, para adequá-las às novas demandas. Neste caso, oferecemos apoio com soluções de planejamento de rotas.