O planejamento estratégico nos transportes coletivos

“A nova visão da NTU deverá considerar a reconquista do protagonismo do transporte público coletivo na mobilidade urbana brasileira, com mais investimentos, qualidade de serviço, sustentabilidade econômica e reconhecimento público do seu valor estratégico para o país”

Francisco Christovam, diretor-executivo da NTU

O Planejamento Estratégico é um processo fundamental para o sucesso de uma organização, pois determina o rumo que a instituição, entidade ou empresa deve adotar para alcançar seus objetivos, nos médio e longo prazos. É como um mapa que orienta os rumos e os caminhos a serem seguidos, desde a escolha da missão, da visão, dos valores e dos objetivos estratégicos, até a criação de um plano de ação, com as metas estabelecidas para cada projeto ou atividade a ser desenvolvida. 

O planejamento estratégico também pode ser definido como um método estruturado que estabelece a razão de existir da empresa, a forma como ela quer ser percebida e reconhecida no futuro, as crenças e os princípios que devem ser observados no processo de tomada de decisões, com vistas à obtenção dos melhores resultados para cada projeto.

A avaliação dos pontos fortes (strengths), dos pontos fracos (weaknesses), das oportunidades (opportunities) e das ameaças (threats), do ambiente interno e externo da empresa, também conhecido como matriz SWOT, é ferramenta simples e extremamente importante para a definição dos objetivos e das soluções que a empresa quer alcançar, nas suas diferentes áreas de atuação. 

Ademais, o planejamento estratégico auxilia na seleção das prioridades da organização, garantindo que os recursos humanos e materiais sejam alocados de forma eficiente e eficaz, alinhando a equipe em torno de objetivos comuns. Permite, ainda, o enfrentamento dos desafios e o aproveitamento das oportunidades, otimizando os esforços a serem empreendidos na execução dos projetos. 

A partir dos princípios preliminares, os objetivos estratégicos e o plano de ação podem ser estabelecidos, com o detalhamento de todas as atividades que devem ser implementadas e a designação dos responsáveis pela condução dos trabalhos a serem desenvolvidos. O monitoramento e a avaliação periódica, bem como os ajustes necessários são pontos importantíssimos desse processo dinâmico e contínuo.

Segundo Peter Ferdinand Drucker (1909–2005), professor da Universidade de Nova York, de 1950 a 1971, e da Escola de Pós-Graduação Claremont, na Califórnia, de 1971 a 2005, também considerado o pai da administração moderna, “o planejamento não diz respeito às decisões futuras; mas, às implicações futuras das decisões presentes”. Essa citação enfatiza que o planejamento deve focar na análise das consequências futuras das decisões atuais, e não apenas nas decisões futuras que devem orientar os caminhos a serem seguidos pela organização. As ideias de Peter Drucker revolucionaram a forma como as empresas são gerenciadas e influenciam, até os dias atuais, o pensamento administrativo.

A grande maioria das empresas operadoras do transporte coletivo urbano de passageiros não tem a cultura de utilizar o planejamento estratégico como um processo trivial para auxiliar na tomada de decisões e na definição dos projetos que devem ser empreendidos para garantir a sustentabilidade da empresa e para cumprir, com objetividade e racionalidade, o escopo dos contratos de concessão ou de permissão.

É bem verdade que boa parte dos processos licitatórios, que geram esses contratos, inclui índices de desempenho operacional e parâmetros de qualidade dos serviços a serem prestados como exigências contratuais, sem, no entanto, definir requisitos relacionados à gestão das empresas ou mesmo às questões básicas do planejamento estratégico, tais como valores, propósito, missão ou visão da organização.

Com estruturas gerenciais bem simples e enxutas, as empresas operadoras dividem suas áreas organizacionais, normalmente, em operação, manutenção e administração geral, para cuidar do tráfego, da conservação dos veículos e das instalações, bem como dos serviços de apoio, incluindo recursos humanos, suprimento, finanças, entre outras.

Pelas características dos contratos e dos serviços prestados, as empresas operadoras de transporte público se ocupam de tarefas mais rotineiras, que exigem pouca maleabilidade e quase nenhuma inovação. Salvo raras exceções, elas não têm o hábito de planejar as suas atividades empresariais, seja na realização da operação cotidiana, no relacionamento com clientes ou mesmo no desenvolvimento de novos negócios.

Por outro lado, boa parte das entidades de classe – associações, sindicatos patronais e federações –, que congrega as empresas operadoras do transporte coletivo, consegue suprir essa lacuna de suas associadas e utiliza o planejamento estratégico para definir a sua atuação principal, como órgão de representação do setor. É bem comum encontrar, no material de divulgação e nos sites dessas organizações, a definição dos elementos básicos desse tipo de abordagem.

A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), por exemplo, passa por processo de revisão de seu propósito, bem como de sua visão, missão e valores. Essa revisão será essencial para a definição de seus objetivos estratégicos e, na sequência, de seu plano de trabalho, contendo as iniciativas necessárias ao cumprimento do seu papel institucional, em consonância com os resultados estabelecidos pela alta administração. 

A nova visão da NTU deverá considerar a reconquista do protagonismo do transporte público coletivo na mobilidade urbana brasileira, com mais investimentos, qualidade de serviço, sustentabilidade econômica e reconhecimento público do seu valor estratégico para o país. Nesse mesmo diapasão, a nova missão da Entidade deverá estabelecer que o seu propósito fundamental deve ser o de liderar, representar e articular os operadores do transporte público coletivo, em âmbito nacional, promovendo políticas, projetos e parcerias que valorizem o transporte coletivo como pilar essencial da mobilidade para as cidades.

A partir dessas reformulações e da análise da matriz SWOT, a NTU está definindo seus principais objetivos estratégicos com foco no papel a ser desempenhado pela entidade no restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, na obtenção do reconhecimento público pelo seu valor estratégico, no fortalecimento das suas relações institucionais, na ampliação da financiabilidade das empresas e dos serviços, na disponibilização da base de conhecimento existente, no desenvolvimento de estudos técnicos sobre as inovações do setor, na melhoria do seu sistema de comunicação com a sociedade, entidades congêneres e suas associadas e na preparação da associação para a condução das iniciativas necessárias ao cumprimento das metas estabelecidas.

Em síntese, os objetivos estratégicos deverão gerar projetos e ações para melhorar o deslocamento das pessoas, aumentando a oferta de lugares e a qualidade dos serviços prestados à população. Por outro lado, é imprescindível melhorar a financiabilidade do setor, com a criação de novas linhas de crédito e de novas condições de financiamento para os investimentos necessários na melhoria da infraestrutura – corredores, terminais, estações de embarque, abrigos, pontos de parada etc. – e para a renovação da frota nacional.

Além disso, é preciso considerar a necessidade de recursos específicos para o custeio da operação, bem como a utilização de veículos mais modernos e menos poluentes, produzindo serviços com remuneração justa e adequada, operando com tarifas módicas e mais acessíveis a todos os segmentos da sociedade.

Utilizar o planejamento estratégico, como requisito da administração moderna, não deve ser apenas uma possibilidade ou uma opção de trabalho, mas a condição essencial para que a NTU cumpra o seu papel e lidere, de fato, suas empresas associadas e suas entidades filiadas.

(*) Francisco Christovam é diretor-executivo (CEO) da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Fetpesp) e da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), bem como membro do Conselho Diretor da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Engenharia.

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