Gesner Oliveira, professor da FGV- SP: “A ideia não é defender uma regulação excessiva (para o transporte rodoviário de passageiros), pelo contrário. O que se deseja é que haja isonomia nas regras no setor, por meio de uma regulação minimalista e pró-concorrencial que valha igualmente para todos os players e que seja capaz de garantir um ambiente de mercado competitivo, seguro e sustentável”

A assimetria regulatória no transporte rodoviário de passageiros foi o tema de um estudo técnico produzido pela equipe da GO Associados e liderado pelo professor Oliveira, com apoio da Abrati

Technibus – Por que existe assimetria regulatória no transporte rodoviário de passageiros?

Gesner Oliveira – A legislação atual determina uma série de requisitos que empresas de transporte regular e empresas de transporte fretado devem seguir para que estejam aptas a operar no setor. Ocorre que tais requisitos tendem a ser mais restritos para as empresas de transporte regular. Por exemplo, tais empresas devem atender requisitos financeiros mínimos para a entrada no mercado, bem como níveis de segurança dos veículos e capacitação dos motoristas mais elevados do que as empresas de transporte fretado. Assim, a partir do momento em que uma empresa de transporte fretado, que deveria se ater ao circuito fechado (sem vendas de passagens individuais), passa a prestar o mesmo serviço que uma empresa de transporte regular, surge a assimetria regulatória, já que, na prática, estão concorrendo no mesmo mercado, mas sob regras diferentes, em desfavor das empresas de transporte regular.

Technibus – Como foi realizado o estudo realizado pela GO Associados?

Gesner Oliveira – A ideia deste estudo não era só analisar a situação atual do setor de transporte rodoviário no Brasil, mas sim compreender os estágios pelo qual passou para chegar onde está e como isso impacta a sociedade. Por isso, foi realizada uma análise histórica do arcabouço regulatório do setor e então, a partir disso, foi feita uma análise dos impactos da assimetria regulatória existente hoje no setor. Tais impactos foram analisados em três dimensões: bem-estar dos passageiros (consumidor), distorções na concorrência e implicações no mercado de capitais.

TechnibusQuais as principais conclusões deste estudo?

Gesner Oliveira – A partir da análise das mudanças que ocorreram na regulação do setor nas últimas décadas, fica claro que houve uma preocupação em garantir a oferta deste serviço tão importante para a dinâmica logística brasileira, uma vez que boa parte da população – principalmente a mais pobre – depende desse modal de transporte. Contudo, a legislação atual não impede que empresas de fretamento, que deveriam se ater ao circuito fechado, ofereçam serviços análogos às empresas de transporte regular de passageiros. Esse cenário, ao não equiparar os requisitos regulatórios que devem ser atendidos pelas empresas dessas duas modalidades, tende a gerar um ambiente de concorrência desleal, em desfavor das empresas de transporte regular. Com isso, não só essas empresas são lesadas, mas também os consumidores e investidores, que podem ser prejudicados em termos de segurança, qualidade do serviço e transparência. Um aprofundamento das práticas vigentes poderia implicar a exclusão de boa parte dos passageiros do mercado, pois, as empresas de transporte fretado não precisam se preocupar com garantir passagens gratuitas para indivíduos de baixa renda e idosos e, ainda, podem se ater apenas aos circuitos mais lucrativos – deixando as populações de cidades pequenas carentes de tal serviço.

O estudo conclui que é necessário que tal situação, que é, inclusive, objeto de disputa judicial envolvendo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) se resolva, sob pena de aumentar ainda mais os danos causados à livre concorrência e aos demais agentes envolvidos no setor, sejam investidores, sejam consumidores. A ideia não é defender uma regulação excessiva, pelo contrário. O que se deseja é que haja isonomia nas regras no setor, por meio de uma regulação minimalista e pró-concorrencial que valha igualmente para todos os players e que seja capaz de garantir um ambiente de mercado competitivo, seguro e sustentável.

Technibus – Como combater a concorrência desleal?

Gesner Oliveira – Do ponto de vista prático, é necessário fazer valer preceitos isonômicos entre os prestadores do mesmo tipo de serviço. Não se trata, portanto, de aumentar ou diminuir a carga regulatória de maneira despropositada. É importante frisar que, enquanto durar tal assimetria, não são apenas as empresas de transporte regular que estão sendo lesadas, mas também os consumidores e investidores, que perdem em segurança, qualidade do serviço e transparência.

TechnibusQuais as perspectivas de haver uma nova legislação para o setor que trate deste tema?

Gesner Oliveira – A solução para esta discussão não passa, necessariamente, por uma nova legislação. Isso porque a que temos agora é bem clara no que se refere às regras de cada modalidade de transporte. O que é, sim, necessário, é a aplicação e fiscalização dessa legislação de forma isonômica a todos os players que desejam prestar o mesmo tipo de serviço. Se está previsto que as empresas de transporte fretado devem se ater ao circuito fechado, não deveria haver venda de passagens individuais para viagens feitas por meio dessa modalidade. Ademais, vale destacar a importância de uma resolução definitiva para os processos judiciais em curso em diferentes regiões do país, uma vez que o impasse gera insegurança jurídica e, consequentemente, inibe investimentos no setor.

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