Ricardo Roa, sócio-líder do setor automotivo da KPMG no Brasil: “Atualmente, o biodiesel é mais viável do que o HVO no Brasil”

A KPMG elaborou um relatório que traz orientações estratégicas sobre o uso de combustíveis alternativos e uma análise detalhada do potencial de adoção, desafios e oportunidades em diferentes modais. Nesta entrevista, o executivo detalha as informações relativas ao transporte por ônibus

Marcia Pinna

Technibus – De forma resumida, quais os principais objetivos deste relatório?

Ricardo Roa – Uma vez que estamos observando globalmente uma corrida para transição energética a fim de reduzirmos as emissões de gases de efeito estufa, o setor de transporte vem buscando evoluir nas discussões de uso de combustíveis mais sustentáveis, porém tais combustíveis alternativos trazem vários obstáculos, como tecnologia, infraestrutura inadequada e incertezas regulatórias e de mercado. Com isso, este relatório é especificamente projetado para líderes e profissionais da indústria de transporte, fornecendo-lhes insights sobre combustíveis alternativos e uma análise do potencial de adoção em transporte rodoviário, aviação e transporte marítimo.

Technibus – Quando falamos especificamente de transporte coletivo rodoviário de passageiros, quais são os combustíveis alternativos mais viáveis para avançarmos na descarbonização?

Ricardo Roa – Quando falamos de transporte coletivo rodoviário de passageiros (ônibus), atualmente ainda temos uma alta utilização de diesel e biocombustíveis combinando etanol à gasolina em proporções reguladas, em nossa frota, mas já observamos avanços na adoção de Gás Natural Veicular (GNV) e biodiesel, como combustíveis alternativos para este olhar de sustentabilidade. Com a adoção de políticas nacionais, como RenovaBio, MOVER e certamente ao ser sancionado o PL do combustível do futuro, nós observaremos de forma mais acelerada a intensificação de empresas evoluindo em combustíveis alternativos mais sustentáveis, inclusive caminhando também para além de biosiesel, GNV e biometano. Estes são mais viáveis na visão do rodoviário. Quando observamos o ônibus urbano, alguns estudos também serão intensificados para adoção de ônibus 100% elétrico ou até mesmo híbrido.   

Technibus – No Brasil, as iniciativas com biodiesel e HVO se restringiram a projetos-piloto e experiências isoladas. Esses combustíveis poderiam ser mais utilizados?

Ricardo Roa – Atualmente, a produção de HVO (Óleo Vegetal Hidrotratado) no Brasil é limitada. A infraestrutura industrial necessária para a hidrogenação de óleos vegetais e gorduras animais é complexa e requer investimentos significativos. Outro aspecto é que a construção de plantas de HVO pode ser cara e demorada, além de a infraestrutura de distribuição e abastecimento para HVO ainda não está bem estabelecida no Brasil. Isso inclui a falta de tanques de armazenamento dedicados e pontos de abastecimento, o que dificulta a logística de fornecimento para frotas de transporte coletivo. Já sobre o biodiesel, entendo ser uma realidade mais próxima, e as empresas localmente estão mais direcionadas a tal adoção, inclusive pela logística de mistura e distribuição de biodiesel com diesel fóssil, ainda que irá requer alguns ajustes, mas possui uma perspectiva mais otimista de ser estabelecida. Certamente com investimentos e a intensificação de desenvolvimento com as políticas que envolvem tais mudanças energéticas, além de apoio e parcerias estratégicas, é possível superar essas barreiras e promover uma adoção mais ampla de combustíveis sustentáveis. Atualmente, o biodiesel é mais viável do que o HVO no Brasil.  

Technibus – Como o senhor avalia o processo de eletrificação no transporte público no Brasil? Estamos atrasados em relação a outros países latino-americanos?

Ricardo Roa – O processo de eletrificação no transporte público no Brasil está caminhando, ainda que em passos mais lentos. O Brasil é um país de diversidade geográfica diferente dos demais países latino-americanos, além de atualmente ter produção local de veículos pesados para transporte público. Com isso, a estratégia de adoção de transporte público eletrificado não está tão avançada como de alguns países como Chile e Colômbia que adotaram políticas de eletrificação de transporte urbano mais acelerada, assim trazendo importação de ônibus elétricos com alguns subsídios. O Brasil também terá uma frota de ônibus elétricos, mas certamente será um país que irá diversificar tecnologias de propulsões sustentáveis. Poderemos observar estados adotando estratégicas de transporte coletivo diferentes a depender da evolução da infraestrutura instalada.   

Technibus – Quais as recomendações e conclusões do relatório para o Brasil avançar no processo de descarbonização?

Ricardo Roa – O relatório traz de forma muito robusta importantes aspectos de que os líderes do setor e as organizações devem adotar ações oportunas. Mas sem uma análise mais ampla de portfólio de projetos, estratégia, análises da cadeias de suprimento de combustíveis regionais e sem se atentar, principalmente, para os marcos regulatórios nacionais para identificar as oportunidades e subsídios para buscar acelerar a transição energética com utilização dos combustíveis alternativos viáveis adaptados a operações específicas, eles poderão correr o risco de enfrentar ativos obsoletos, penalidades regulatórias aumentadas e uma competitividade de mercado reduzida. Neste sentido, importante salientamos que a transição para combustíveis alternativos no setor de transporte coletivo rodoviário de passageiros no Brasil representa uma oportunidade significativa para melhorar a sustentabilidade, reduzir emissões de gases de efeito estufa e aumentar a competitividade de mercado.

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