Seminário NTU: importantes contribuições para o setor

Francisco Christovam é presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Fetpesp) e da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), bem como membro do Conselho Diretor da Confederação Nacional dos Transportes (CNT)

A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU realizou, na segunda semana de agosto, a 36ª edição do seu Seminário Nacional, com o propósito de discutir os principais temas necessários ao desenvolvimento do setor de transporte coletivo urbano de passageiros. Nos dois dias de Seminário, 850 participantes circularam pela área de exposições e mais de 1.300 internautas acompanharam, virtualmente, as discussões havidas nos cinco painéis e nas reuniões dos três colégios técnicos da NTU.

A sessão de abertura contou com a participação dos presidentes da Confederação Nacional dos Transportes – CNT, Vander Costa, e da Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus – FABUS, Ruben Bisi, bem como de representantes dos poderes executivo e legislativo. Foi possível notar que estamos diante de um novo cenário para o setor, com perspectivas de mudanças muito positivas, representadas por uma nova visão do processo de produção dos serviços; pela recuperação de boa parte da demanda perdida no período da pandemia; pelo aumento significativo do número de cidades que estão subsidiando seus sistemas de transportes e adotando o modelo de “tarifa zero”; pela redução da idade média da frota, com a aquisição de novos ônibus e pelo início de projetos de descarbonização da frota, com a substituição de velhos ônibus diesel por veículos menos poluentes.

Ainda na sessão de abertura, o presidente do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco, fez uma brilhante retrospectiva do setor, iniciando pelas manifestações ocorridas em 2013 e pontuando que a reforma tributária, a criação de um marco legal e a transição energética são os principais desafios a serem enfrentados pelo setor, a curto e médio prazos. Segundo o Senador, o marco legal do transporte público deverá, muito provavelmente, ser aprovado ainda neste semestre, para início de adoção a partir do próximo ano. Disse ainda que: “quando se fala de transporte coletivo de passageiros, para além de uma atividade econômica, estamos falando de um direito social e de uma expressão de civilidade. É importante que, no Brasil, ao invés da cultura da multiplicação dos automóveis e das motocicletas, tenhamos um transporte coletivo digno, que possa atrair todas as camadas sociais para o seu uso”.

Resumidamente, as falas iniciais já indicaram que o setor passa por um momento de transformações e de valorização da sua importância, sendo tratado não mais como um negócio, que funciona em ambiente de livre mercado; mas, como serviço público essencial, estratégico e fundamental para a melhor organização do espaço urbano e para uma melhor qualidade de vida das pessoas que vivem nas cidades brasileiras.

Na sequência, o primeiro painel discutiu o novo marco legal do transporte público, com a participação do Secretário Nacional de Mobilidade Urbana, Denis Eduardo Andia. A partir de dados do Anuário NTU 2022/2023, principalmente daqueles que possibilitam uma avaliação do desempenho atual do setor, foi possível fazer um diagnóstico bem detalhado da situação, com destaque para as principais mudanças que estão ocorrendo em vários itens da cadeia produtiva dos serviços de transportes coletivos. Mas, nenhum avanço, em curso ou já alcançado, se tornará permanente sem a criação de um marco legal ou marco regulatório, que possa estabelecer um conjunto de normas, diretrizes e leis para regular a prestação desse serviço de utilidade pública, por delegação, pelas empresas da iniciativa privada.

É nesse contexto que se discutiu a criação de um marco legal, tratando da organização e produção dos serviços de transportes, considerando a qualidade dos serviços e a produtividade do setor, da organização e planejamento das atividades, do financiamento do custeio e dos investimentos necessários, da regulação e gestão dos contratos e, finalmente, da necessidade de ampla transparência e publicidade, bem como do controle social da prestação dos serviços.

Mas, a criação de um marco regulatório só faz sentido se o foco desse instrumento legal estiver no passageiro e o transporte público coletivo, direito social e dever do estado, for definido como serviço público de caráter essencial, indispensável ao desenvolvimento socioeconômico de toda a população e ao atendimento das necessidades de deslocamento das pessoas no território, competindo à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, de forma compartilhada e no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito e organizar os serviços em rede única, intermodal, acessível, abrangente e integrada.

No painel 2, o diretor executivo da CNT, Bruno Batista, apresentou o resultado de uma pesquisa, realizada no primeiro semestre deste ano, para definir o perfil empresarial do transporte coletivo urbano brasileiro. Tendo como referência a frase do cientista de dados, Willian Edwards Deming, que disse: “sem dados, você é apenas mais uma pessoa com uma opinião”, a pesquisa teve como objetivo melhor conhecer as empresas e os empresários do setor, contando com a participação de 174 empresas operadoras de transporte de passageiros, de 19 estados brasileiros, apresentando resultados que, por critérios estatísticos, têm margem de erro de 5,5% e grau de confiança de 95%.

Os principais resultados da pesquisa mostram que 84,5% das empresas operadoras de transporte coletivo têm mais de 20 anos de existência e 82,8% delas contam com gestão familiar. Quase 70% das empresas entrevistadas têm sistemas de comunicação com seus clientes (SAC), para informação, principalmente, sobre horários e itinerários. A frota das empresas é composta por 99,9% de ônibus diesel, sendo 89,8% de ônibus com motor dianteiro. Metade da frota das empresas transporta, diariamente, mais de 300 passageiros por veículo e 43,3% da frota roda entre 5 e 7 mil quilômetros, por mês. Um pouco mais de 70% da frota circulante opera em vias sem nenhum tratamento viário e 46,6% delas têm entre 100 e 500 empregados, o que as caracteriza como empresas de médio e grande portes.

Do total de empresas entrevistadas, 96% operam sem cobrador, 91% têm bilhetagem eletrônica instalada e mais da metade já trabalha com conceitos de sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa (ESG). Dessa forma, como conclusão, a pesquisa mostra que as empresas do setor enfrentam, cotidianamente, grandes desafios; estão expostas a riscos externos, não intrínsecos à operação; têm dificuldades para a contratação de mão de obra; têm necessidade de incremento de tecnologia para informação ao cliente e sofrem com a alta representatividade do preço do óleo diesel na composição dos custos operacionais.

O tema tratado, no painel 3, foi o financiamento e a qualidade no transporte público, com ênfase no valor que o passageiro dá para o custo da viagem, bem como a diferença entre a qualidade contratada, a qualidade ofertada e a qualidade percebida pelo passageiro. Pelas discussões havidas, ficou claro que há uma intrínseca correlação entre os atributos da viagem, que interferem na decisão do passageiro quanto à utilização do transporte coletivo, com a qualidade do serviço que lhe é oferecida e que é por ele percebida. Essa análise pôde ser verificada com a utilização de um “simulador de tarifas” que possibilitou medir a conexão entre a melhoria da qualidade do transporte e o correspondente impacto no custo da prestação do serviço, com consequências na tomada de decisão, pelo passageiro, quando da escolha do modo de deslocamento.

Nos aspectos relacionados ao financiamento do setor, seja para investimentos em infraestrutura ou para aquisição de material rodante, bem como para o custeio da operação, há que se buscar novos mecanismos de obtenção dos recursos necessários; integração das instâncias federativas na gestão dos processos; ampliação das fontes de receita extra tarifárias; garantia de amplo acesso econômico para a população, com aumento da inclusão das camadas de mais baixa renda nos serviços ofertados e tributação de serviços de transportes não essenciais. Por sua vez, quanto à qualidade dos serviços, é preciso estabelecer metas e indicadores de qualidade, concentrar o foco das decisões no passageiro e na qualidade por ele percebida, criar solução de compromisso entre a qualidade ofertada e a respectiva remuneração das operadoras, vincular remuneração da operação a padrões de qualidade ofertada e estimular o uso de modernas tecnologias para melhorar a percepção do passageiro com relação aos atributos da viagem.

Uma questão que chamou a atenção e mereceu destaque por parte dos painelistas que discutiam o financiamento e a qualidade do transporte coletivo foi o privilégio e a supremacia do transporte individual sobre o transporte coletivo, que se manifesta não apenas no uso do espaço viário; mas, no subsídio indireto que o automóvel recebe ao dispor das vias públicas para a sua ampla circulação, livre estacionamento e indiscriminada ocupação, sem ter que pagar nada por isso. Ao término do painel, foi proposto que as cidades criem, nos seus orçamentos públicos, uma rubrica específica, para contabilizar os investimentos e o custeio de toda a operação do transporte individual – automóvel, motocicleta e bicicleta – para poder comparar o custo-benefício dos mesmos gastos, quando realizados com o transporte coletivo.

No painel 4, que tratou dos caminhos para a descarbonização do transporte coletivo urbano, a Associação Nacional dos Transportes Públicos – ANTP apresentou um método de cálculo do custo dos serviços de transporte público por ônibus elétrico, obtido a partir dos conceitos adotados no desenvolvimento de uma planilha para o cálculo do custo operacional do ônibus diesel, elaborada em 2017.

Embora não se tenha, ainda, uma política nacional que possa orientar e definir as diversas rotas para a descarbonização da frota de ônibus diesel no País, várias prefeituras têm compelido as empresas operadoras de transportes urbanos a substituir parte da sua frota atual por ônibus elétricos, movidos a baterias. Deve-se destacar que decisões políticas, quase sempre sem nenhum estudo técnico ou fundamentação lógica, têm orientado essa transição para a eletromobilidade, com grande impacto nos contratos de concessão e até nos modelos de negócio vigentes.   

Uma primeira conclusão dos estudos realizados pela ANTP é que implantar um sistema de ônibus elétricos é completamente diferente – e muito mais complexo – do que adquirir ônibus a diesel e colocá-los para operar em linhas existentes. Só para exemplificar, é perfeitamente possível que, em determinadas situações, será necessário contar com uma frota reserva de cerca de 30% da frota operacional, para realizar a substituição total da frota diesel por ônibus elétricos e garantir a mesma oferta de lugares.

Com a participação de fabricantes, de representante de órgãos gestores e da academia e dos operadores, as principais conclusões desse painel podem ser resumidas na constatação que a transição energética é uma tendência mundial e um caminho sem volta, com forte impacto na percepção dos passageiros sobre a qualidade do serviço ofertada e necessidade de aportes financeiros significativos. Essa mudança tecnológica exige planejamento operacional complexo e aprofundado, além da revisão dos contratos de concessão para, principalmente, definir as responsabilidades pela aquisição dos ativos e pelo custeio da operação, bem como pela alocação dos riscos envolvidos nesse processo de mudança tecnológica.

No painel 5, representantes de várias empresas que lidam com meios de pagamento e sistemas de planejamento, programação, monitoramento o controle da operação, trataram da inovação em sistemas de transporte, com destaque para o desenvolvimento de soluções e aplicação de novas tecnologias, que já estão à disposição de órgãos de gestão e dos operadores. Como princípio geral, foi destacado que novas tecnologias, para a modernização do setor, obrigatoriamente, devem estar a serviço do passageiro, criando todas as facilidades possíveis para atrair e até fidelizar o cliente.

A integração entre todos os sistemas de apoio à operação dos ônibus, com a quebra de proteção de mercado e superação das questões concorrenciais, é fundamental e deve ser um objetivo comum de todos os provedores de tecnologia, seja para otimizar a aplicação dos recursos humanos e materiais necessários ou para gerar informação de qualidade ao passageiro. A prática de uma boa governança nas empresas operadoras passa pela utilização de dados confiáveis, gerados, compilados e administrados para garantir a tão desejada transparência, amplo acesso às informações e sucesso na implantação do futuro marco regulatório.

Finalmente, é importante registrar que a 36ª edição do Seminário Nacional da NTU foi um sucesso. Os principais assuntos que estão sendo discutidos por todos os segmentos da sociedade que se preocupam com a produção e com o desenvolvimento dos transportes coletivos urbanos de passageiros foram debatidos e puderam ser analisados nas suas mais diferentes vertentes. Foi a oportunidade certa para uma ampla troca de informações e atualização do conhecimento sobre como melhor produzir esse serviço público tão importante para a população.

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