Technibus – Todo início de ano ocorrem os reajustes nas tarifas de transporte público. Neste ano, ainda sob o impacto da queda de passageiros causada pela pandemia, como as empresas estão lidando com esses reajustes?
Francisco Christovam – A drástica queda da demanda de passageiros, no período da pandemia, teve um impacto muito forte na arrecadação e, consequentemente, na remuneração das empresas operadoras de transporte coletivo de passageiros. Independentemente dessa queda no número de passageiros transportados, a necessidade de reajustes tarifários decorre do aumento dos custos de produção dos serviços. Além do aumento dos salários e benefícios, do preço dos ônibus, do preço dos pneus e das câmaras, das peças de reposição e de outros itens necessários ao bom funcionamento dos ônibus, só o preço do óleo diesel teve um aumento de mais de 50%, nos últimos 12 meses. Impossível imaginar que as empresas possam continuar prestando serviços de transporte sem a necessária e imediata atualização do valor das tarifas, para não gerar mais prejuízo às empresas e solução de continuidade na oferta dos serviços.
Technibus – Alguns municípios saíram em socorro do transporte público e estão começando a subsidiar as tarifas. O senhor acredita que esta é a saída para o setor?
Francisco Christovam – Em recentes pesquisas, realizadas pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), constatou-se que, durante o período da pandemia, mais de 50 cidades subsidiaram, de forma emergencial, os seus sistemas de transporte, para garantir a continuidade da prestação dos serviços. Vale lembrar que já é praticamente impossível prestar serviço de transporte com qualidade se a remuneração das empresas depender exclusivamente do montante arrecadado com o pagamento das tarifas. Doravante, os poderes concedentes deverão, forçosamente, contar com receitas extratarifárias ou com recursos provenientes dos cofres públicos, para assegurar a justa e adequada remuneração das empresas operadoras. É assim no mundo inteiro, e não há como prescindir desses recursos na prestação de um bom serviço de transporte público de passageiros.
Technibus – As entidades do setor defendem que apenas uma reestruturação profunda no sistema poderá resolver a questão das tarifas e atrair mais passageiros. O senhor concorda com essa afirmação? Que pontos o senhor destacaria nesse novo modelo de transporte público?
Francisco Christovam – O setor já vinha passando por dificuldades, nos últimos anos; porém, no período da pandemia, centenas de paralisações ou movimentos grevistas, dezenas de interrupções e encerramentos da prestação dos serviços, bem como a insolvência de várias empresas operadoras indicam que métodos tradicionais não serão mais capazes de resolver a situação. Por isso, poder concedente e prestadoras dos serviços precisam encontrar meios para enfrentar os problemas atuais, utilizando ou não as regras dos contratos existentes, sob pena de se verificar, em curto prazo, a falência completa dos transportes públicos, bem como o domínio e a supremacia dos transportes individuais e desregulamentados sobre o transporte coletivo concedido.
Technibus – Mesmo antes da pandemia, o transporte público já vinha perdendo passageiros ao longo dos anos. Como recuperar os passageiros?
Francisco Christovam – Quer me parecer que as empresas operadoras não foram capazes de enunciar corretamente o problema e encontrar as soluções necessárias para enfrentar a constante queda de passageiros, ao longo dos últimos dez anos. O descaso das autoridades responsáveis e a chegada de outras opções de deslocamento – aplicativos, carona solidária, uso da motocicleta e da bicicleta, disposição de aumentar os deslocamentos a pé, entre outros – deveriam ter sido vistas não como ameaças; mas, como novas oportunidades para se criar formas de atendimento das necessidades de deslocamento da população. Infelizmente, a maioria dos atuais contratos de concessão são muito rígidos e não permite a flexibilidade necessária para o atendimento de uma nova gama de serviços, em maior quantidade e melhor qualidade, para atender às novas exigências dos clientes.
Technibus – Entre essas iniciativas que estão sendo tomadas por diversas cidades para subsidiar direta ou indiretamente o transporte público, o senhor destacaria alguma?
Francisco Christovam – É importante destacar que, doravante, não há como remunerar as empresas operadoras com base, exclusivamente, no valor arrecadado com o pagamento das tarifas. Assim, não estamos falando de isenções ou de desonerações, mas sim, da efetiva participação do Estado no pagamento, de parte ou de todos os custos inerentes à produção dos serviços de transporte. Trata-se de considerar que o transporte tem, como estabelecido na constituição federal, caráter essencial e estratégico e se constitui num direito social, assim como a educação, a saúde, a segurança, a habitação, entre outros. Em outras palavras, o transporte coletivo de passageiros é uma obrigação do Estado e um direito do cidadão, podendo e devendo ser prestado por empresas privadas; mas, entendido como sendo um longa manus do poder público e não como um negócio, regido por leis de mercado e próprio da iniciativa privada.
Technibus – Como o poder público (não apenas em nível municipal) poderia apoiar o transporte público e contribuir para um novo modelo de mobilidade no país?
Francisco Christovam – Um novo modelo de mobilidade exige um novo modelo de contratação e de prestação de serviço. A criação de um marco regulatório, abrangente e detalhado, para atender à maioria das necessidades atuais do transporte público multimodal (ônibus, barco, metrô e trem), deve ser vista como uma reforma estrutural profunda, de longo prazo, que servirá, também, para resumir, condensar e atualizar toda a legislação que ampara a base jurídica para a elaboração dos processos licitatórios e dos contratos de concessão.
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