Technibus – O aumento do número de acidentes ou sinistros para ônibus em 2021 representou um avanço maior que nos períodos anteriores?
Alysson Coimbra – Conforme previsões anteriores e agora confirmadas a partir da liberação desses dados oficiais da Polícia Rodoviária Federal foi observado um protagonismo no número de sinistros de trânsito envolvendo veículos de grande porte. São veículos que por suas dimensões e estruturas, produzem ocorrências potencialmente mais graves, com maior número de ferimentos, de sequelas irreversíveis e de morte. Paralelamente, a categoria que conduz esses veículos atravessa um momento complicado em relação à sua saúde física, mental e psicológica.
Percebemos nos consultórios um declínio da saúde e aumento de problemas como diabetes, hipertensão e uma grande sobrecarga psicológica dada a natureza da profissão. A corrida contra o tempo para a entrega dos fretes provocou também um aumento no consumo de estimulantes e outros tipos de drogas. Pesquisas anteriores feitas pela Ammetra em parceria com a Polícia Rodoviária Federal revelaram uma presença maior do uso de substâncias psicoativas nas rodovias federais. Para fugir da Lei Seca e com a falsa sensação de que o uso de estimulantes ajudaria no trabalho, muitos motoristas estão abusando do consumo de substâncias psicoativas. E esse cenário afeta a dirigibilidade segura. O tempo de reação dele é mais lento, o reflexo fica comprometido e as chances de sinistros são maiores. Esses dados da PRF refletem esse cenário.
Technibus – O transporte clandestino seria o maior responsável por esse aumento? Por quê?
Alysson Coimbra – Paralelamente a esses dados que mostram o aumento do número de veículos de grande porte envolvidos em sinistros, chama atenção o aumento dos casos envolvendo ônibus. As questões sociais e financeiras colocaram a nossa população numa infeliz condição de ter que escolher uma forma mais barata e, inevitavelmente, muito mais perigosa de se deslocar, que é o transporte clandestino. Então, as pessoas estão fazendo uma escolha por um transporte que não é regularizado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A manutenção dos veículos desse tipo de transporte não atende aos parâmetros de segurança solicitados pelas agências reguladoras, tornando o transporte muito mais arriscado.
Outro problema é o desrespeito aos períodos de descanso previstos em lei. Normalmente, a mesma pessoa que emite, que vende o bilhete, é quem vai dirigir e não há um rodízio de motoristas. Esse desrespeito à Lei do Descanso aumenta o risco deste motorista se envolver um acidente, seja pela sonolência, pelo cansaço, pela falta de medicação, tudo isso interfere para que essa viagem possa muitas vezes ser sem volta.
Technibus – O desrespeito à Lei do Descanso tem aumentado?
Alysson Coimbra – Uma pesquisa da Ammetra mostrou um aumento grande do descumprimento da Lei do Descanso nos últimos três anos. E isso é grave porque um planejamento de viagem seguro passa inevitavelmente por paradas regulares após determinados períodos contínuos de direção, principalmente para os motoristas que transportam passageiros. É preciso que eles tenham acesso a uma boa alimentação e a condições mínimas de descansar, com alojamentos adequados. Isso é o que a lei do descanso exige, além das oito horas contínuas de descanso. Essa lei foi elaborada com a intenção de evitar sinistros de trânsito, mas o seu cumprimento passa pelo aumento do poder fiscalizatório que não é o que a gente tem visto. Por falta de efetivo, muitos postos de da Polícia Rodoviária Federal ficam vazios e as nossas estradas estão ficando cada vez menos patrulhadas.
Technibus – Como reduzir esses índices de acidentes? A fiscalização é falha?
Alysson Coimbra – Nós precisamos aumentar o poder de fiscalização da ANTT quanto à regularização dos veículos, principalmente os que atuam no transporte de passageiros. A Polícia Rodoviária Federal faz um brilhante serviço, mas sua atuação é limitada pela falta de investimentos na ampliação do seu efetivo. É necessário dotar esses agentes de novas tecnologias pois cada vez os motoristas estão conseguindo ludibriar a legislação. É indispensável, ainda, que a segurança viária seja tratada como política pública, tanto na elaboração de leis, quanto na aplicação e fiscalização.
Technibus – Como o passageiro pode se prevenir de maiores transtornos? Viajar com empresas regulares reduz os riscos?
Alysson Coimbra – Em relação ao transporte clandestino, a primeira orientação é sempre duvidar do preço. O menor preço praticado para um trecho que já é sabidamente tabelado indica algum mecanismo ilícito. A primeira ação é a inspeção do bilhete de passagem para avaliar se o nome impresso é o mesmo do guichê, se possui as informações mínimas como endereço, telefone, número do CNPJ da empresa e o registro da ANTT. Depois precisa checar se alguns desses dados do bilhete são os mesmos que constam no adesivo do ônibus. Outra dica é verificar se o motorista possui uniforme, crachá de identificação e inspecionar as condições externas do veículo. Não precisa ser mecânico para verificar irregularidades como para-brisa quebrado, soldas expostas, pneus carecas, lanternas quebradas, faróis quebrados. Essas informações são necessárias para que a pessoa opte pela melhor decisão, que é não embarcar e denunciar o serviço clandestino ao poder público.
Technibus – O que poderia melhorar em relação à formação dos motoristas profissionais?
Alysson Coimbra – Mais de 80% dos nossos motoristas são autônomos, não possuem nenhum vínculo empregatício, muitos não têm acesso a planos de saúde e a exames regulares de medicina ocupacional. A maioria desses motoristas só passa por uma avaliação de saúde no momento da obtenção ou da renovação da sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Portanto, é muito preocupante a ampliação do prazo de validade da CNH para motoristas que conduzem veículos de grande porte, para motoristas que desempenham atividade remunerada na habilitação pois a partir do momento que a gente pressupõe que eles só passam no médico no momento da renovação e a gente amplia esse prazo, sem nenhuma outra política pública que vá cuidar da saúde desses motoristas, o estado está negligenciando o fator humano, que é responsável cerca de 90% dos sinistros de trânsito.
Além do acompanhamento adequado da saúde desses motoristas, eles deveriam passar por treinamentos constantes para atuar de forma profissional, principalmente no transporte de passageiros. Outro fator que pode ser melhorado é a realização de avaliações psicológicas frequentes para os motoristas.