Technibus – Quais os impactos da pandemia nas empresas de transporte público por ônibus de São Paulo?
Francisco Christovam – Não há como negar que a crise provocada pelo COVID-19 foi o gatilho que faltava para despertar nas autoridades governamentais a real dimensão e a relevância do transporte coletivo de passageiros. Pode até parecer irônico dizer que a pandemia trouxe alguns benefícios para o setor dos transportes coletivos urbanos de passageiros, particularmente no que diz respeito à percepção da importância e da essencialidade desse serviço público. Não há mais porque relegar o transporte coletivo de passageiros a um plano secundário no rol das prioridades e tratá-lo muito mais como um negócio, regido por leis de mercado, do que como um direito do cidadão e um dever do Estado.
Technibus – Com a queda da demanda e consequentemente da arrecadação, como as empresas têm conseguido se manter no mercado?
Francisco Christovam – A drástica queda na demanda de passageiros, com graves consequências para o equilíbrio econômico-financeiro dos sistemas de transporte por ônibus, provocou a interrupção da operação e a falência de muitas empresas, em várias cidades brasileiras. Para se manter no mercado, as empresas operadoras, que auferem receitas exclusivamente das tarifas, já consumiram suas reservas financeiras ou têm levantado empréstimos nas instituições financeiras. Em um período de apenas seis meses foi possível verificar a vulnerabilidade e a fragilidade do setor que, nos últimos anos, vinha tentando sobreviver, num ambiente de tarifas que não cobriam os custos de produção dos serviços e de total desprezo e abandono por boa parte dos gestores públicos. Para a maioria deles, o transporte coletivo urbano é apenas uma atividade realizada por empresários da iniciativa privada, que só pensam no lucro de suas empresas.
Technibus – Quais lições o setor pode aprender com a pandemia?
Francisco Christovam – O transporte coletivo de passageiros é, por definição constitucional, essencial e estratégico e, também, por assim dizer, o serviço público que viabiliza os demais serviços de utilidade pública, que tornam viáveis o funcionamento das cidades e o dia-a-dia das pessoas. Sem o transporte, a maioria dos cidadãos não chega ao local de trabalho, para garantir os recursos de que necessita para viver; não se desloca até a escola, para adquirir conhecimento e formação; não acessa o médico ou o hospital, para tratar as suas doenças; e não chega até as lojas ou ao supermercado, para comprar comida e outros produtos necessários à sua sobrevivência. Sem o transporte, as pessoas entram em isolamento – palavra da moda – laboral, social e vivencial. Por tudo isso, as autoridades precisam reconhecer o papel dos transportes para a vida das cidades e os empresários precisam rever seus modelos de negócios e adaptar seus modelos de gestão e de governança corporativa às exigências desse novo tempo.
Technibus – Alguns especialistas têm afirmado que esta crise pode ser uma oportunidade para repensar diversos aspectos do transporte público brasileiro. O senhor concorda com tal afirmação?
Francisco Christovam – É bem verdade que o chamado “novo normal” deverá estabelecer novos parâmetros e novos procedimentos para o período pós-pandemia e exigirá, de todos os agentes envolvidos na prestação dos serviços de transporte coletivo, uma nova postura, um novo posicionamento e uma revisão completa das práticas e dos métodos até hoje observados. Todos sabem que, no pós-pandemia, boa parte dos passageiros não pretende voltar para o transporte coletivo e que a maioria dos “clientes” que optar por não continuar usando o transporte individual passará a exigir um serviço de transporte coletivo diferenciado, com novos atributos e muito mais qualidade.
Technibus – Quais as expectativas das empresas em relação à normalização da demanda? Os níveis de ocupação da frota devem se normalizar ainda neste ano?
Francisco Christovam – No momento, é praticamente impossível prever quando tudo voltará à normalidade e quando a população poderá realizar seus deslocamentos sem nenhuma restrição de ordem sanitária ou medo de contaminação. Isso posto, a demanda de passageiros deverá demorar bastante para voltar aos níveis verificados no segundo semestre do ano passado. Na cidade de São Paulo, atualmente, o sistema atende uma demanda de cerca de 50% daquela medida nos dias úteis, antes da pandemia, para cerca de 90% da frota operacional em circulação. É muito provável que a demanda de passageiros não retorne aos níveis de antigamente, antes do segundo semestre do próximo ano.
Technibus – O que o poder público pode fazer para que as empresas atravessem esse período de dificuldades?
Francisco Christovam – Um primeiro passo deve ser a revisão das práticas e dos princípios que norteiam o relacionamento entre o setor público e a iniciativa privada. Isso significa estabelecer entendimentos e elaborar compromissos que contemplem a prestação dos serviços de transporte num regime de parceria e de intensa colaboração e comprometimento entre o poder concedente e as empresas operadoras. Além disso, para o momento, é preciso que o poder público entenda a situação financeira das empresas e auxilie, no que for possível, a retomada dos serviços. Numa fase subsequente, é imprescindível que o poder público crie novas fontes de custeio da operação, incluindo o subsídio para grupos específicos de usuários, desonerando os passageiros comuns do pagamento da tarifa cheia e da parcela referente às gratuidades instituídas por lei.
Technibus – O que as empresas do setor esperam do próximo prefeito da capital paulista?
Francisco Christovam – A Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) acaba de lançar um documento intitulado GUIA ELEIÇÕES 2020 – COMO TER UM TRANSPORTE PÚBLICO EFICIENTE, BARATO E COM QUALIDADE NA SUA CIDADE , contendo sugestões e propostas que podem ajudar muito na elaboração de um bom programa de governo. Com base nesse documento, é de se esperar que o próximo prefeito da capital paulista invista, fortemente, na infraestrutura necessária à prestação de um bom serviço, incluindo a implantação de novos corredores e de mais faixas exclusivas e a manutenção adequada das vias por onde circulam os ônibus, trabalhe na definição de fontes alternativas de recursos para custeio e financiamento das operações, acredite na relevância da comunicação para se estabelecer canais de informação com os clientes e com os formadores de opinião e incentive o desenvolvimento, juntamente com as empresas operadoras, de critérios de avaliação e padrões de qualidade dos serviços. Tudo isso com a mais absoluta transparência nas relações do órgão gestor com os operadores e com a própria população.
(*) Francisco Christovam é assessor especial do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPUrbanuss e, também, membro da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP, da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, do Conselho Diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, da Confederação Nacional dos Transportes – CNT e dos Conselhos Deliberativo e Consultivo do Instituto de Engenharia.