Márcia Pinna Raspanti
Nos dias 7 e 8 de outubro, foi realizada, de forma totalmente online, a II Semana UITP da América Latina – Experiência Digital, com a organização da OTM Editora. Com cerca de mil cadastrados e 13,5 mil visitas, o evento promoveu discussões sobre a forma de atuação dos sistemas de mobilidade, as demandas por uma nova governança e as perspectivas de investimento, o desenvolvimento de novos sistemas e a sustentabilidade da rede de transporte existente, além de abordar os efeitos da pandemia no transporte coletivo e na mobilidade, em geral.
O presidente da UITP, Pere Calvet, abriu o encontro destacando que a pandemia trouxe inúmeras mudanças em relação aos debates da edição anterior. “A própria plataforma desenvolvida para este evento mostra como podemos superar os desafios e, com resiliência, realizar as mudanças”, observou. O formato digital possibilitou a participação de especialistas de diferentes nacionalidades e de diversas autoridades, como ministros de estado e secretários da área de mobilidade e transporte dos países latino-americanos.
Para Calvet, o transporte público é o motor das cidades e deveria ser prioridade neste momento de crise, em que os operadores precisam disponibilizar a sua frota, mas têm uma grande redução da ocupação. “Como obter os recursos necessários?”, perguntou.
Outra questão que o presidente da UITP destacou foi a desconfiança com que a população vê o transporte coletivo. “Estudos mostram que o transporte público é seguro, desde que as regras sanitárias sejam seguidas. Precisamos reconquistar a confiança do passageiro paulatinamente, mas é necessário que a mídia e os governantes parem de passar informações duvidosas para a população. É importante uma estratégia de comunicação global”, avaliou.
Richele Cabral, diretora de Mobilidade Urbana da Fetranspor, ressaltou que o setor já passava por uma crise no Brasil, e que agora precisa se “reinventar”, sem descartar o que já foi realizado até agora, mas adaptando-se às novas realidades. “Estamos também enfrentando um preconceito de que o transporte público é um fator de propagação do vírus. Sem qualquer estudo que comprove isso, temos visto essa ideia ser repetida a todo o momento”, disse.
Juan David Correa López, diretor do Metrô de Medelin (Colômbia), relatou que foi realizada uma grande campanha de conscientização para os usuários, com a participação de artistas plásticos, estimulando os cuidados e o distanciamento social recomendados pelas autoridades sanitárias. “Temos que manter o foco nas pessoas. Acredito que esses cuidados deverão permanecer. Mesmo com uma crise causada pela queda da arrecadação, buscamos soluções criativas para que a população voltasse a confiar no sistema”.
SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA-
Marcelo Bandeira, diretor de Inovação Urbana de Pernambuco, lembrou que o transporte por ônibus enfrenta o mito se ser o “vilão da pandemia”, o que teria sido descartado por estudos científicos. Para ele, a crise pode ser também uma oportunidade para que haja um replanejamento do transporte público. “O setor foi obrigado a repensar seu modelo, mas precisa de apoio e financiamento para superar as dificuldades causadas pela queda de demanda. O sistema de custeio do transporte público é uma das principais fragilidades do setor e precisa ser reformulado. A maioria das cidades não oferece subsídios às empresas, que dependem a arrecadação das tarifas”, analisou.
Juan Pablo Fernández, diretor de Mobilidade Urbana do México, contou que em seu país o transporte coletivo é misto, sendo que a maior parte da população (60%) utiliza o serviço ofertado por empresas particulares, que são custeadas pela tarifa, sem nenhum subsídio governamental. “É importante profissionalizar o transporte, estimulando as empresas com maior robustez econômica a atuar no setor”, acredita.
Na opinião de Rodrigo Tortoriello, secretário de Mobilidade Urbana da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) de Porto Alegre, é preciso construir um modelo tarifário sustentável e atrair o passageiro, ou cliente, como Tortoriello prefere, para o transporte público. Para isso, é preciso outras formas de custeio. “Uma das propostas que encaminhamos para a Câmara de Vereadores prevê uma tarifa para os automóveis circularem na zona central. Outra seria a taxa de mobilidade. O importante é pensarmos que a governança deve ser baseada no coletivo. O transporte pode ser um fator de inclusão social e precisamos levar isso em conta”, disse.
INTELIGÊNCIA-
O transporte público e seu papel no desenvolvimento das cidades inteligentes (smart cities) também foi um dos assuntos abordados no encontro. Com as soluções de bilhetagem e ITS, o sistema gera uma grande quantidade de dados, que são fundamentais neste caminho. “A tecnologia é vital para planejar de forma inteligente o transporte público e sua interação com o espaço urbano. É preciso usar os dados, que já estão disponíveis, com ferramentas que propiciem uma resposta rápida e eficiente aos problemas e desafios que surgem na operação. O dado bruto não proporciona isso”, enfatizou Pascal Toque, diretor de IoT & IoC da Solutions Green 4T (França).
Jurandir Fernandes, presidente da Divisão América Latina da UITP, observou que a maioria das empresas de transporte tem acesso aos dados, mas geralmente de forma fragmentada, e que é necessário integrar essas informações. “Os centros de controle operacional, que de certa forma integram esses dados, podem evoluir e tornarem-se centros inteligentes. Isso deve ocorrer até devido à necessidade de planificação”, comentou.
O transporte sob demanda é outra tendência que desponta no Brasil e faz parte das discussões sobre cidades do futuro. Edmundo Pinheiro, da HP Transportes, acredita que a mobilidade compartilhada será um complemento importante do transporte público. “O transporte público é a espinha dorsal das cidades. O transporte individual sempre vai existir, mas o coletivo é a única forma sustentável de mobilidade, portanto, teremos uma combinação do público, do coletivo sob demanda, e do individual, compartilhado ou não”, disse.
A HP Transportes desenvolveu o CityBus 2.0, um sistema de transporte coletivo por aplicativo de celular, implementado inicialmente em Goiânia depois em Brasília e que já conta com 100 mil clientes cadastrados. “O transporte público perdeu 25% de seus passageiros nos últimos cinco anos, sem levar em conta a pandemia. Isso também devido ao impacto dos veículos compartilhados no modelo da Uber. Então, pensamos em um sistema sob demanda, mas coletivo, em ônibus menores, complementando o transporte público”, relatou.
A sustentabilidade ambiental, principalmente no que se refere à utilização de energia limpa e renovável, também é um fator importante quando se planeja o espaço urbano de amanhã. A eletromobilidade segue em passos lentos no Brasil, mas avança em outros países do continente. Hector Moya, diretor da Metbus, operadora do Transantiago (Chile), informou que 12% da frota do sistema BRT da capital chilena é composta por veículos elétricos. “São 436 ônibus movidos a eletricidade e 100 terminais com infraestrutura elétrica. Isso é uma verdadeira revolução no transporte público de Santiago.”
Moya acredita que o apoio governamental é fundamental para expandir o uso de ônibus elétricos na América Latina, mas destaca que os fornecedores têm papel importante neste processo. “São os fabricantes que têm a tecnologia. Eles precisam compartilhar conhecimento com os operadores e gestores, apoiar a implementação da eletromobilidade. Não basta simplesmente entregar o produto”, declarou.
O encontro foi encerrado com a apresentação de um case inspirador quando se pensa em smart cities: Melbourne, na Austrália, que sediará o próximo evento da UITP. “Há dez anos, pelo menos, estão sendo implementadas políticas públicas para que Melbourne se torne uma cidade sustentável para oferecer um nível elevado qualidade de vida para seus moradores. Nesse contexto, o transporte público é parte importante desse planejamento e recebeu investimentos importantes, tornando-se um dos ícones em mobilidade sustentável”, ressaltou Eleonora Pazos, diretora da UITP.
Para Eleonora, o evento foi marcado por um tom otimista, em que governantes, operadores, indústria e provedores de tecnologia entendem que as mudanças são necessárias para que o transporte público de adapte a uma realidade que “não havia sido planejada” e que surgiu com a pandemia. “Um dos pontos que mais se destacou foi a necessidade de estratégias de governança. Nos países em que as autoridades cumpriram seu papel de liderança, o transporte público funcionou. Onde isso não ocorreu, ele parou. A governança passa a ter um peso maior, e ficou claro que o transporte público precisa de financiamento e de uma estrutura governamental de apoio. A unificação do transporte é fundamental, com a integração entre operadores, autoridades e indústria”, concluiu.
Por 30 dias, conteúdo das apresentações e as visitas virtuais aos stands estarão disponíveis. Visite!