O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) e o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) desenvolveram estudos complementares que analisam as características da contratação do serviço de transporte público por ônibus nas 12 capitais mais populosas do Brasil.
Entre os aspectos observados estão a duração dos contratos, a remuneração e o financiamento do sistema de ônibus, a transparência, a redução de poluentes e as exigências sobre garagens. Os trabalhos, realizados entre 2019 e 2020, apontam as fragilidades dos contratos que afetam diretamente a vida dos usuários do sistema e de toda a cidade.
As regras de funcionamento dos sistemas municipais de ônibus são definidas no edital de licitação e nos contratos, incluindo desde a qualidade dos veículos e do serviço até o valor da tarifa. Por diversas falhas nesse processo, os sistemas acabam provendo um serviço por vezes ruim e caro comprometendo o direito ao transporte e, consequentemente, o acesso a outros direitos como saúde, meio ambiente, lazer, educação.
As cidades analisadas pelos estudos estão situadas nas cinco regiões do país, sendo elas Recife, Fortaleza e Salvador (Nordeste); Manaus e Belém (Norte); Goiânia e Brasília (Centro-oeste); São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte (Sudeste); e Porto Alegre e Curitiba (Sul).
Segundo o levantamento, a forma como as prefeituras pagam as empresas concessionárias pela operação dos serviços de ônibus tem como fator principal a quantidade de passageiros que é transportada. Isso incentiva mais pessoas serem transportadas por veículo e a circulação de menos veículos na rua para garantir maiores ganhos às empresas, gerando lotação dos ônibus. Essa situação foi identificada em todas as capitais avaliadas, exceto São Paulo. “Agora na pandemia ficou evidente que este formato é absolutamente insustentável. Com a queda da demanda, muitas empresas de ônibus viram sua receita diminuir brutalmente”, explica Rafael Calabria, coordenador de Mobilidade do Idec.
Apesar de pagar as empresas por passageiro transportado, Belém, Recife, Curitiba e Porto Alegre trazem nos contratos critérios para garantir a qualidade do sistema na fórmula de remuneração.
A maior parte das cidades tem a tarifa paga pelo usuário como fonte única ou prioritária de receita para cobrir o pagamento às empresas. Isso gera aumento gradativo da passagem, tornando o serviço caro. Segundo as instituições, existem outras maneiras de financiar o sistema como, por exemplo, com recursos públicos (subsídios); explorações comerciais e publicitária em veículos, pontos e terminais; e tributação ou recursos de outros setores, como taxação sobre a gasolina ou estacionamento em vias públicas. Se essas fontes alternativas estivessem previstas, as empresas não estariam sofrendo tanto agora com a queda de usuários durante a pandemia.
Em Brasília, Curitiba, Recife e São Paulo parte dos custos do sistema são bancados pelas prefeituras. Em outros sete editais pesquisados foram previstas formas alternativas de receita, além da tarifa, mas de maneira pouco detalhada.
A longa duração dos contratos é outro obstáculo. Entre as 12 cidades avaliadas, nove apresentam extensão superior a 15 anos, sendo que em Salvador chega a 25 anos e no Rio de Janeiro e em Goiânia são potencialmente prorrogáveis até depois de 2045.
Contratos longos dificultam que sejam feitas alterações no sistema em resposta a novas exigências ambientais e tecnológicas ou mudanças estruturais nos padrões de mobilidade. Também prejudicam a participação de novas empresas no mercado, diminuindo a competitividade entre elas e, consequentemente, a oferta de um serviço melhor com custo menor. Por outro lado, contratos mais curtos tendem a exigir mais ações de gestão do poder público.
Com relação à transparência, predominou a falta de acesso a informações contratuais, dados operacionais e de custo, e de mecanismos que favoreçam a participação e o controle social. Somente em metade das cidades estudadas foram encontrados todos os documentos abertos. Nas outras seis estavam disponíveis documentos parciais, sendo que os dados precisaram ser requeridos diretamente aos representantes dos municípios ou via Lei de Acesso à Informação. “A transparência é essencial para garantir o acompanhamento e monitoramento das ações, tanto por parte dos gestores, como por parte da sociedade civil”, explica David Tsai, do IEMA.
Meio Ambiente-
Apenas metade das cidades possuía nos editais ou contratos incentivos para a redução de emissões de poluentes. Dez capitais apontam para o uso de ônibus menos poluentes, estimulando o uso de motores mais modernos e combustíveis renováveis de origem vegetal (biodiesel). Entretanto, apenas São Paulo e Goiânia estipularam nos editais metas claras de redução de emissão por ônibus, mencionando os tipos de gases que deveriam ser monitorados.
“Os editais precisam garantir oportunidades que viabilizem a redução dos impactos negativos dos transportes à saúde das pessoas e ao meio ambiente. A incorporação de veículos elétricos nas frotas, por exemplo, é um caminho que vai ao encontro da discussão sobre qualidade do ar”, afirma Beatriz Rodrigues , do ITDP Brasil.
São Paulo prevê que as empresas operem seus ônibus com reduções anuais decrescentes tendo como referência o ano de 2016 e conta com um comitê gestor que irá regularmente monitorar as concentrações destes gases.
Outro quesito crucial avaliado nos editais foi a exigência de que os concorrentes possuíssem garagem para poder concorrer. Esse critério prejudica muito a competitividade, que é o fim maior da licitação (para garantir a escolha das propostas com melhor serviço e menor custo). Isso porque o prazo para aquisição, o montante de recursos e a disponibilidade de terrenos podem impedir a maior diversidade de empresas participarem.
Na maioria das cidades analisadas, o edital exige que já na proposta comercial ou técnica a empresa interessada apresente o compromisso de disponibilidade de imóvel. Os prazos de instalação variam de seis a 24 meses. São Paulo é a única que exige posse de garagem pela empresa candidata anteriormente à licitação e que, assim como Fortaleza, elas estejam localizadas nos próprios municípios.