Alexandre Pelegi, ANTP
A transformação da mobilidade urbana está no centro das atenções — e dois levantamentos recentes ajudam a ler esse momento. O estudo da Mastercard indica que, com as novas formas de trabalho, mudaram o ritmo urbano e a distribuição dos fluxos econômicos entre os bairros da capital paulista. Já a mais recente Pesquisa Origem e Destino do Metrô de São Paulo amplia o retrato dos deslocamentos na RMSP.
O Arena ANTP 2025 reunirá, entre os dias 28 e 30 de outubro, no Transamérica Expo Center, em São Paulo/SP, gestores públicos, especialistas, empresas e pesquisadores para discutir os grandes temas da mobilidade no Brasil.
Com uma programação que conecta planejamento urbano, transporte público, inovação e governança, o evento reforça o papel da mobilidade como elemento central da transformação econômica, social e ambiental das cidades.
Mais informações e programação completa: [www.antp.org.br/arena2025](https://www.antp.org.br/arena2025)
Mudança de hábito
A rotina do paulistano redesenhou o mapa da cidade. Um novo estudo sobre padrões de consumo em restaurantes e bares mostra que, entre 2019 e 2025, as transformações trazidas pelo trabalho remoto e híbrido mudaram profundamente a geografia econômica de São Paulo.
O levantamento, baseado em dados agregados e anonimizados do Mastercard Economics Institute, analisou padrões diários e semanais de consumo presencial na capital paulista, evidenciando como as novas formas de trabalho alteraram o ritmo urbano e a distribuição dos fluxos econômicos entre os bairros.
Criado em 2020, o Mastercard Economics Institute é um núcleo global de pesquisa que reúne economistas e cientistas de dados para estudar, a partir de informações anonimizadas de transações, as transformações no comportamento de consumo e nas dinâmicas urbanas em diferentes países.
Os resultados indicam uma descentralização dos gastos: regiões empresariais tradicionais, como Itaim Bibi e Pinheiros, perderam participação nas despesas com refeições durante a semana, enquanto bairros de perfil residencial ganharam força. A tendência reflete o novo cotidiano do paulistano, que passa mais tempo em sua vizinhança e consome próximo de casa.
Centro esvazia, bairros ganham movimento
Nos dias úteis, o volume de gastos com alimentação caiu de forma significativa nos principais polos corporativos.
No Itaim Bibi, a fatia das despesas totais de segunda a quinta-feira passou de 18,1% em 2019 para 13% em 2025. Em Pinheiros, a queda foi de 8,8% para 7,9% no mesmo período.
O recuo mais expressivo ocorreu no café da manhã do Itaim, que era tradicional entre executivos e funcionários de escritórios: a participação despencou de 27,3% para 8,2%, revelando o impacto direto do home office nas primeiras horas do dia.
Santo Amaro, Campo Belo e Jardins ganham protagonismo
Enquanto as áreas corporativas perderam fluxo, bairros residenciais registraram expansão no consumo, especialmente nos horários mais compatíveis com a rotina híbrida. Em Santo Amaro, o gasto com cafés da manhã quase dobrou — de 3,7% para 6%. No Campo Belo, subiu de 3,4% para 4,7%. E nos Jardins, o consumo em almoços de segunda a quinta passou de 7,8% para 9,2%.
Para o Instituto da Mastercard, o fenômeno sugere uma reorganização urbana silenciosa: as pessoas continuam frequentando restaurantes e bares, mas os deslocamentos ficaram mais curtos e as escolhas, mais próximas de casa.
Novo mapa do happy hour e da vida noturna
A flexibilização do trabalho também transformou o lazer. O happy hour, antes concentrado em bairros de escritórios, perdeu espaço nesses eixos.
No Itaim Bibi, a participação nesse horário caiu de 17,7% para 8,3%. Já o Ipiranga viu sua fatia subir de 1,2% para 4,4%, impulsionada pela abertura de novos bares e espaços culturais.
Entre 23h e 3h, o movimento também mudou de endereço. O Ipiranga cresceu de 1,1% para 4,1%, e o Anália Franco, tradicionalmente residencial, passou de 2,9% para 3,5%, reforçando a ideia de que o lazer noturno deixou de se concentrar apenas em regiões centrais e boêmias.
Cidade policêntrica e em transformação
A leitura dos dados aponta para uma São Paulo cada vez mais policêntrica e adaptável. As novas formas de trabalhar e de se relacionar com o espaço urbano redistribuíram os fluxos de pessoas e de renda, alterando a paisagem do comércio e dos serviços locais.
Diversos estudos internacionais e nacionais apontam que processos de descentralização urbana, como o observado em São Paulo, afetam diretamente os sistemas de transporte coletivo. Pesquisas realizadas em cidades norte-americanas, como Atlanta, mostraram que a migração de empregos e serviços para fora das áreas centrais reduz o uso do transporte público quando a rede não se adapta à nova configuração urbana. Já análises recentes sobre hubs de mobilidade descentralizados (Springer, 2022) indicam que a criação de pontos locais de integração entre modos de transporte pode aumentar a atratividade do transporte público e reduzir a dependência do automóvel.
No contexto brasileiro, estudos sobre mobilidade sustentável apontam que a ausência de planejamento e de investimentos compatíveis com as novas dinâmicas urbanas tende a desestimular o transporte coletivo e reforçar o uso de modais individuais. Essas evidências sustentam a hipótese de que a reorganização do consumo e do trabalho — com menor deslocamento diário e maior permanência nos bairros — redefine os fluxos de mobilidade e exige uma reconfiguração das redes de transporte público para manter cobertura e eficiência em uma cidade cada vez mais policêntrica.
O vice-presidente da ANTP, Cláudio de Senna Frederico, observa que o comportamento do paulistano está mudando em vários níveis, refletindo novas formas de lidar com o tempo, a cidade e o consumo.
“Uma parte dessa mudança tem a ver com o próprio congestionamento — ou melhor, com as estratégias que as pessoas desenvolveram para evitá-lo ou até para conviver com ele”, comenta em conversa com o Diário do Transporte. “Outro ponto é que quase ninguém cozinha mais em casa. A maioria pede comida pronta por delivery ou aquece produtos semi-prontos ou congelados. Isso também reduz as refeições fora de casa. Ou seja, parte das perdas nos bairros de escritórios talvez nem esteja migrando para outros points, mas sendo substituída por essa rotina mais prática e doméstica.”
“O que vemos é uma redistribuição dos gastos pela cidade. O consumo saiu dos polos corporativos e se espalhou por bairros com perfil mais residencial, lugares onde as pessoas agora vivem e trabalham, ainda que de forma híbrida. Isso mostra como a dinâmica urbana foi redesenhada nos últimos anos”, complementa Gustavo Arruda, economista-chefe para América Latina e Caribe da Mastercard.
Pesquisa OD reforça mudanças no comportamento de deslocamento
Os resultados do estudo sobre o consumo urbano dialogam com as conclusões da Pesquisa Origem e Destino 2023 do Metrô de São Paulo, que registrou queda significativa na movimentação diária de pessoas na região metropolitana. O total de viagens passou de 42 milhões em 2017 para 35,6 milhões em 2023 — uma redução de mais de 6 milhões por dia.
O número de deslocamentos por transporte coletivo caiu de 15,3 milhões para 12,3 milhões, e as viagens a pé recuaram de 13,35 milhões para 10,05 milhões. Já os modos motorizados individuais (automóveis, aplicativos, táxis e motos) se mantiveram relativamente estáveis, em torno de 12,9 milhões de viagens diárias.
Para Luiz Carlos Néspoli (Branco), superintendente da ANTP, os dados revelam uma transformação que vai além da pandemia ou do home office. “Os dados factuais da pesquisa apontam uma forte queda da movimentação geral das pessoas na região. Essa redução se explica, em parte, pela desaceleração econômica e pela perda de renda, fatores que atingem sobretudo os grupos que mais dependem do transporte coletivo e dos deslocamentos a pé”, analisa.
Néspoli destaca ainda que o sistema de mobilidade da metrópole segue caminhando na direção contrária do desejado, com predominância do transporte motorizado individual, o que resulta em sistemas caros, poluentes e ineficientes no uso do espaço urbano.
“É preciso cautela ao relacionar diretamente a queda das viagens apenas ao home office ou às novas rotinas. Elas influenciam, sim, mas não de forma homogênea. A maioria dos trabalhadores de menor renda continua atuando de forma presencial, e é nesse grupo que a redução de deslocamentos é mais sensível”, completa.
Tema em debate no Arena ANTP 2025
As transformações apontadas pela Pesquisa OD e seus reflexos na mobilidade serão debatidos no Arena ANTP 2025, no painel “Pesquisa Origem e Destino Metrô: Análise dos resultados mostram grande mudança nos hábitos da população”, que acontece no dia 29 de outubro, das 11h00 às 12h00, no Transamérica Expo Center, em São Paulo.
Painelistas:
* Cláudio de Senna Frederico – Consultor e Vice-Presidente da ANTP
* Angélica Benatti Alvim – Arquiteta e Urbanista, Professora e Pesquisadora da FAU Universidade Presbiteriana Mackenzie
* Emilia Mayumi Hiroi – Estatística, Especialista em Pesquisas Origem-Destino no Metrô/SP
* Alexandre Frazão D’Andrea – Engenheiro, Coordenador de Estudos de Demanda e Pesquisas no Metrô/SP
Moderação:
* Luiz Cortez Ferreira – Arquiteto e Urbanista, Mestre em Urbanismo e Gerente de Planejamento e Meio Ambiente do Metrô/SP
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