Negociação coletiva pode ser solução para impasse na Lei do Motorista

“A negociação coletiva pode flexibilizar jornada, intervalos intrajornada e tempo de espera, desde que respeitados direitos essenciais e os limites definidos constitucionalmente”, avalia o desembargador Davi Furtado Meirelles

Alexandre Asquini

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322 reforça que certos direitos trabalhistas, como o intervalo interjornada e o descanso semanal, são absolutamente indisponíveis – ou seja, trata-se de direitos sociais irrenunciáveis do trabalhador.

Ao mesmo tempo, segundo o desembargador Davi Furtado Meirelles, presidente da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), existe espaço para que a negociação coletiva adapte regras de jornada, intervalos e tempo de espera no setor rodoviário, incluindo o transporte de passageiros por fretamento, desde que aqueles direitos essenciais sejam respeitados.

Davi Furtado Meirelles, presidente da Seção Especializada em
Dissídios Coletivos do TRT-2 (Divulgação)

“A negociação coletiva pode adaptar a jornada e intervalos no setor rodoviário, inclusive no fretamento, sem ferir direitos essenciais”, afirmou Meirelles durante o 1º Fórum das Empresas de Fretamento e Turismo, realizado em 10 de setembro de 2025, em São Paulo, promovido pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros por Fretamento e para Turismo de São Paulo (Transfretur), em parceria com a Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado de São Paulo e com apoio institucional do TRT-2.

O desembargador lembrou que, em 5 de julho de 2023, o STF declarou a inconstitucionalidade de vários dispositivos da Lei nº 13.103/2015 (Lei do Motorista). “O STF destacou a indisponibilidade dos intervalos interjornada e do descanso semanal, considerando ilegítimas previsões legais relativas ao seu fracionamento e redução”, explicou. O início de validade dessa decisão foi estabelecido em 12 de julho de 2023, para evitar insegurança nas relações trabalhistas já consolidadas.

Entre os dispositivos questionados estavam o fracionamento do intervalo interjornada, a exclusão do tempo de espera da jornada, a redução do descanso semanal remunerado e a flexibilização do intervalo intrajornada. Segundo Meirelles, a decisão referente à ADI 5322 reforçou que tais direitos são absolutamente indisponíveis, conforme dispõe a Constituição Federal.

Tempo de espera

O desembargador explicou também a conceituação legal de tempo de espera constante da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e incluída na Lei 13.103/2015: “As horas em que o motorista profissional empregado ficar aguardando carga ou descarga do veículo, nas dependências do embarcador ou do destinatário, e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias”.

Ele esclareceu que o tempo de espera não alcança períodos em que o motorista está efetivamente liberado para tratar de assuntos pessoais ou desobrigado de permanecer à disposição do empregador. “Se a empresa exigir que o motorista permaneça no veículo, em área delimitada ou sob vigilância, ou se restringir a sua circulação durante o período, o tempo deverá ser computado como tempo de espera ou mesmo de descanso, conforme o caso”, afirmou.

Meirelles também destacou outro parágrafo do mesmo dispositivo: quando a espera for superior a duas horas ininterruptas e for exigida a permanência junto ao veículo, o tempo será considerado como repouso para efeitos de intervalo intrajornada, desde que as condições sejam adequadas. Ele exemplificou: “Se um motorista conclui o transporte de passageiros e, entre viagens, fica livre para sair, comer ou realizar compras sem obediência a ordens da empresa, esse período não será considerado tempo de espera”.

O magistrado reforçou que a negociação coletiva permite definir formas de remuneração e controle do período, mas sempre respeitando os limites constitucionais. “Aqui cabe um esclarecimento sobre a configuração do tempo de espera especificamente para a atividade de motorista de ônibus para fretamento. O conceito legal restringe o tempo de espera ao período em que o motorista está à disposição da empresa para atividades específicas, relacionadas à carga, descarga e fiscalização, decorrentes da atividade profissional”, disse.

Intervalo e descanso

Quanto ao intervalo intrajornada e ao descanso semanal, o desembargador explicou que a flexibilização ainda pode ocorrer via negociação coletiva, desde que respeitados os limites constitucionais de proteção à saúde do trabalhador. “O fracionamento previsto na lei foi declarado inconstitucional, porém a jurisprudência do TRT da 2ª Região e do TST tem reconhecido, para contratos vigentes antes da modulação, a validade de negociações coletivas que flexibilizam essa regra”, afirmou Meirelles.

O magistrado também citou decisões recentes que consolidam a aplicação prática da ADI 5322. Informou que uma decisão monocrática do STF, em recurso de reclamação, reafirmou a prevalência da negociação coletiva para o intervalo interjornada, com aplicação do Tema 1046 e modulação da ADI 5322.

Cabe explicar que o Tema 1046 é um julgamento do STF que firmou a tese de que é constitucional o acordo ou convenção coletiva de trabalho que limita ou afasta direitos trabalhistas, mesmo sem vantagens compensatórias explícitas, desde que não afete os direitos absolutamente indisponíveis. Essa decisão consolidou a prevalência do negociado sobre o legislado no direito trabalhista brasileiro, permitindo que acordos coletivos estabeleçam condições de trabalho diferentes da lei.

Meirelles mencionou ainda acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que autorizou negociação coletiva para tempo de espera e fracionamento do intervalo interjornada pós-modulação. Ressaltou, também, que o TRT-2 e outros tribunais regionais reconheceram a aplicabilidade de normas coletivas anteriores à modulação, valorizando a segurança jurídica.

Ministério Público do Trabalho

O desembargador observou que o Ministério Público do Trabalho, apesar de sua importância na fiscalização do cumprimento das leis, atua de forma descentralizada, com procuradores que podem adotar entendimentos distintos.

De todo modo, ressaltou que a instituição tem recomendado rigor e proteção, combatendo retrocessos e incentivando diálogo tripartite para soluções equilibradas. “A negociação deve resguardar direitos mínimos e a saúde do trabalhador, pautando-se no princípio da dignidade humana”.

Meirelles concluiu sua participação enfatizando o equilíbrio necessário entre proteção ao trabalhador e viabilidade operacional: “A conjugação do acórdão do TST e da decisão do STF na ADI 5322 demonstra que, para o setor de transporte de passageiros por fretamento, a negociação coletiva pode flexibilizar jornada, intervalos intrajornada e tempo de espera, desde que respeitados direitos essenciais e os limites definidos constitucionalmente”.

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