Rede aérea de trólebus pode ser solução para a mobilidade elétrica em São Paulo

A rede existente pode ser aproveitada para alimentar os ônibus elétricos e também para energizar futuros trólebus híbridos equipados com baterias, em um sistema conhecido como infraestrutura mista de condução (IMC)

Alexandre Asquini

Usada hoje apenas em 50% de sua capacidade, a rede aérea de trólebus de São Paulo pode ser aproveitada para alimentar os ônibus elétricos que começam a operar às centenas na cidade, assim como para energizar futuros trólebus híbridos equipados com baterias, em um sistema conhecido como infraestrutura mista de condução (IMC). A alimentação pode ser feita durante a operação, com dispositivos relativamente simples e já testados em outros países.

Com isso, além de dispensar grandes e custosas infraestruturas de carregamento nas garagens, as baterias de lítio dos veículos poderão contar sempre com certo nível de carregamento, o que asseguraria o dobro de sua vida útil, praticamente garantindo que essas unidades de energia não precisem ser trocadas no meio da vida útil dos chassis e da carroceria dos ônibus.

Essa foi a ideia mais enfatizada no seminário Trólebus: a resposta contemporânea para o futuro da mobilidade, realizado em 14 de agosto de 2025, no Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo. A atividade teve patrocínio da Next Mobilidade, da indústria Eletra, dos conselhos Federal e Regional de Engenharia e Agronomia (Confea/Crea) e da Mútua – Caixa de Assistência dos Profissionais do Crea, além de portais dedicados ao setor de mobilidade e grupos de defesa do trólebus.

Como parte da programação do seminário, houve uma homenagem ao engenheiro Antônio Vicente Albuquerque de Souza e Silva, falecido em junho último, mentor dos primeiros trólebus com tecnologia brasileira. Seu conhecimento e talento mostraram-se essenciais para o desenvolvimento da mobilidade elétrica no país. Sua esposa, Maria da Graça Cardoso Viana, acompanhada de familiares, recebeu uma miniatura de trólebus, representando um dos projetos desenvolvidos por Antônio Vicente. A presidente da Next Mobilidade, Maria Beatriz Setti Braga, fez um pronunciamento em que ressaltou a contribuição de Antônio Vicente para os avanços do segmento.

Revitalizar o trólebus

Durante o evento, o engenheiro Jorge Françozo de Morais, consultor técnico com mais de 45 anos de experiência no setor, destacou a importância de revitalizar o sistema tradicional de trólebus paulistano. Ele lembrou que, apesar de possuir uma infraestrutura consolidada e robusta, a rede hoje opera com metade de sua capacidade, consequência da desativação de linhas e do sucateamento de veículos em boas condições no passado.

Françozo criticou a proposta do prefeito Ricardo Nunes de desativar o sistema nos próximos anos e ressaltou que a potência instalada, de cerca de 30 MW, poderia alimentar uma frota muito maior, sem necessidade de grandes investimentos em novas subestações. Para ele, o futuro está na integração entre trólebus e ônibus elétricos modernos, especialmente os equipados com baterias auxiliares que permitem operação fora da rede elétrica, oferecendo flexibilidade e eficiência.

Um dos pontos centrais apresentados foi o conceito de recarga dinâmica, em que os veículos se conectam à rede elétrica enquanto circulam e recarregam suas baterias ao longo do trajeto. Isso elimina a necessidade de carregadores pesados nas garagens e reduz o tamanho das baterias, que ficam menos sobrecarregadas, aumentando sua durabilidade e gerando economia.

Diversidade tecnológica

No mesmo seminário, Ieda Oliveira, diretora da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e da Eletra, enfatizou a importância da diversidade tecnológica para a mobilidade urbana sustentável, defendendo que a eletrificação deve abraçar diferentes soluções — elétricos, biometano, híbridos — em vez de privilegiar um único caminho.

Ieda destacou a tecnologia desenvolvida pela Eletra, empresa brasileira que lidera o mercado nacional de ônibus elétricos, com motores que operam há mais de duas décadas. Ela explicou o funcionamento do Etrol, um modelo híbrido que utiliza a rede aérea de trólebus combinada com baterias para maximizar a eficiência energética e reduzir a necessidade de carregadores nas garagens.

Ela também ressaltou a oportunidade de retrofit — a transformação de ônibus diesel antigos em veículos elétricos — como uma solução sustentável para reaproveitamento de frotas e redução de emissões. Segundo Ieda, essa alternativa evita o sucateamento prematuro de veículos em boas condições estruturais, como os biarticulados que foram descartados após 12 anos de uso.

Outro destaque da diretora foi a possibilidade de adaptar mesmo ônibus elétricos convencionais para o uso da alimentação dinâmica, ampliando a flexibilidade do sistema e potencializando o uso da rede aérea existente.

Aproveitar a infraestrutura

Valter Knihs, diretor de engenharia e industrial da WEG, reforçou a importância do aproveitamento da infraestrutura ociosa dos trólebus em São Paulo, apontando que a rede elétrica disponível pode acelerar a eletrificação do transporte público com menor custo e maior sustentabilidade. Ele ressaltou que as recargas intermediárias, feitas durante o trajeto, prolongam a vida útil das baterias, dobrando sua durabilidade ao evitar descargas profundas e carregamentos excessivos concentrados.

Complementando o debate, o especialista suíço Arnd Bätzner, da União Internacional de Transportes Públicos (UITP), apresentou exemplos internacionais para demonstrar a eficiência do sistema híbrido, em que a rede aérea alimenta os veículos enquanto suas baterias garantem autonomia em trechos não eletrificados. Segundo ele, essa combinação reduz custos, peso e impacto ambiental.

Bätzner enfatizou que o modelo híbrido com infraestrutura mista de condução é altamente escalável, flexível e adequado para cidades com diferentes topografias, como São Paulo. Ele destacou casos de sucesso em cidades europeias, como Zurique e Praga, que implementaram linhas extensas de trólebus híbridos em poucos anos, aumentando a frequência e a confiabilidade do transporte público.

Além disso, Bätzner apontou que a alimentação elétrica pode ocorrer inclusive durante as paradas dos veículos, reduzindo ainda mais o consumo energético e aumentando a eficiência operacional. Essa tecnologia já é aplicada na Suíça e em outras capitais europeias, demonstrando que a suposta “poluição visual” das redes aéreas pode ser mitigada com design inteligente, permitindo a convivência harmoniosa com o patrimônio histórico.

O especialista também alertou para o desperdício financeiro que a remoção da infraestrutura aérea representa, já que cada quilômetro custa entre 100 mil e um milhão de dólares. Em um momento em que a sustentabilidade e a economia são prioritárias, preservar e modernizar a rede de trólebus aparece como solução econômica, ambiental e socialmente viável.

(Foto: Marcos Galesi)

Documento contra erradicação

Como resultado do seminário, o Sindicato dos Engenheiros deverá elaborar um documento para encaminhamento à prefeitura de São Paulo pedindo que seja reconsiderada a ideia de eliminar o trólebus da matriz de transporte da cidade.

Também participaram do seminário o presidente do Sindicato dos Engenheiros, Murilo Pinheiro; os membros do Conselho Assessor de Transportes e Mobilidade da entidade — Jurandir Fernandes, Edilson Reis e Roberto Berkes; Edson Ribeiro, diretor técnico da Iluminatti Tecnologia; José Antônio Nascimento, consultor em mobilidade elétrica e sustentável; Flaminio Fischmann, consultor responsável pelo novo BRT da região do ABC; Paulo Sérgio Vieira e Carlos Henrique da Silva, respectivamente presidente e vice do Museu do Transporte; Alberto Epifani, da secretaria estadual paulista de transportes metropolitanos; os vereadores paulistanos Luana Alves e Paulo Frange; e os jornalistas Adamo Bazzani e Marcos Galesi.

Acompanhe o Canal Technibus no WhatsApp e fique por dentro das principais notícias e novidades do mundo do Transporte Coletivo e da Mobilidade.

Veja também