Paulo Porto Lima, presidente da Abrati: “A era do pioneirismo e da improvisação ficou para a História”

Há 30 anos, surgiu a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), para fomentar o desenvolvimento de novas técnicas inovadoras e representar as empresas associadas nas relações institucionais. O presidente da associação avalia que o “cenário político brasileiro sempre foi e sempre será desafiador para os operadores do serviço público outorgado”

Valeria Bursztein

TECHNIBUS – A Abrati está completando 30 anos em 2025. Quais foram os principais marcos históricos da associação nesse período?

Paulo Porto Lima – Com toda certeza, atravessar três décadas – período no qual toda a sociedade sofreu muitas transformações – aponta diversos marcos, difícil até mesmo destacar. Mas acho que a mudança no modelo de outorga para a modalidade de autorização, a flexibilização de algumas normas, como por exemplo a tarifa livre, e a digitalização no relacionamento com o cliente e processos foram marcos importantes de adaptação. Vale destacar que a mudança nas carrocerias dos veículos, que hoje têm maior presença de double-deckers, também foi, para a época, um grande acontecimento.

TECHNIBUS – Quais foram os momentos mais difíceis enfrentados pelo setor nesses 30 anos? E como a Abrati atuou em contextos críticos como esses?

Paulo Porto Lima – Vivenciamos vários momentos críticos nessas três décadas de existência. Porém, enumeraria os dois principais: a pandemia, que foi um momento de grave crise econômica e durante o qual sempre estivemos à frente nas negociações de apoios governamentais para a superação desse período. Acredito que obtivemos diversos suportes com as instituições financeiras e governamentais, que foram fundamentais para a superação desse grave momento. O segundo momento foi o movimento nefasto dos aplicativos, principalmente do monopolista europeu, a Flixbus, que insiste em querer desregulamentar e desestruturar o setor, agindo insistentemente no Judiciário e no Parlamento com falsas narrativas, ignorando que esse serviço regular tem natureza de serviço social e essencial para seus usuários, além de viabilizar atendimentos de gratuidades para jovens carentes, deficientes e idosos.
Esquecem que nosso modal de transporte rodoviário de passageiros é o melhor do mundo, o serviço público mais bem avaliado do Brasil, contando com mais de 230 empresas autorizadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), sendo dessas, no mínimo, 30 players que são referências mundiais. Querem prestar o péssimo serviço que prestam na Europa, com práticas anticoncorrenciais até atingirem o monopólio, a exemplo da Alemanha.

TECHNIBUS – O que mais mudou na regulação e no relacionamento com os órgãos públicos, especialmente ANTT e ministério dos transportes?

Paulo Porto Lima – Acreditamos que a relação sempre foi de respeito institucional, tanto com o ministério dos transportes como com a ANTT. Contribuímos de forma efetiva em todas as audiências públicas das resoluções que aperfeiçoaram a regulação do setor, principalmente naquelas que trouxeram o novo marco regulatório.

TECHNIBUS – A abertura para aplicativos e a atuação de serviços irregulares foram desafios marcantes dos últimos anos. Como a entidade trabalhou (ou trabalha) para preservar a legalidade e a qualidade do transporte regular?

Paulo Porto Lima – Continuamos acreditando nas leis vigentes. A Abrati incentiva e promove um ambiente de constante inovação tecnológica, que busca trazer qualidade e competitividade para as empresas, porém colocando em primeiro lugar a segurança dos passageiros. Quanto ao combate à ilegalidade, este cabe aos órgãos públicos.

TECHNIBUS – Como a transformação digital impactou as empresas associadas? A Abrati teve algum papel nesse processo de modernização?

Paulo Porto Lima – A transformação digital é irreversível. Todas as atividades econômicas visam ao aperfeiçoamento e à inovação, que passam pelo mundo digital, buscando maior competitividade. A Abrati incentiva eventos para que o ambiente nas empresas seja sempre propício à constante inovação. A entidade já promoveu diversas oportunidades para que novos fornecedores de tecnologia possam acessar as empresas, fazendo sempre uma triagem prévia sobre o que de fato agregue valor aos serviços, oferecendo, inclusive, a oportunidade de publicidade na revista Abrati e em outros meios digitais.

TECHNIBUS – Quais avanços logísticos, operacionais e de governança o senhor destacaria como conquistas do setor ao longo dessas três décadas?

Paulo Porto Lima – Vivenciamos diversas transformações e até revoluções tecnológicas durante os últimos 30 anos, tanto nos hábitos e desejos dos clientes, dos consumidores, quanto nas técnicas informacionais, possibilitadas por uma conectividade que não imaginaríamos. Evidente que tudo isso nos trouxe um novo mundo de possibilidades, que inclui o nível de governança que as empresas conseguiram atingir e informações processadas em tempo real, o que nos traz infinitas possibilidades de aperfeiçoamento nas gestões e na governança das empresas. As associadas desenvolveram programas de compliance que hoje proporcionam um nível de transparência necessário no relacionamento com a sociedade, por tratar-se de serviço público.  Destacamos as maiores inovações técnicas que visaram à segurança nas estradas. Os itens de segurança nos veículos, a telemetria e diversas ferramentas contribuíram para a enorme redução de acidentes nas estradas. A governança dos negócios em si tem caminhado com vigor para os padrões de ESG.

TECHNIBUS – Em termos de qualidade do serviço e experiência do passageiro, o que foi conquistado e o que ainda é desafio?

Paulo Porto Lima – A maior conquista dos passageiros é a qualidade dos veículos, com inúmeros itens de conforto, conectividade e, principalmente, maior segurança. O desafio é que ainda esperamos o aperfeiçoamento do nível de fiscalização nas rodovias sobre o transporte clandestino, que é o causador maior dos acidentes nas estradas.

Technibus – Como a Abrati avalia a evolução da infraestrutura rodoviária no Brasil e seus efeitos sobre o transporte de passageiros?

Paulo Porto Lima: As rodovias brasileiras já evoluíram muito. Porém, em um país de dimensões continentais, ainda há entraves em questões regionais que são desafios de gestão dos municípios e estados. Neste sentido, ainda temos rodovias que, em determinadas épocas do ano, tornam-se grandes obstáculos à fluidez e à mobilidade.

TECHNIBUS – Sustentabilidade é uma agenda crescente. Há políticas setoriais voltadas para renovação de frota, emissões ou inclusão energética? A Abrati participa desse debate?

Paulo Porto Lima – A Abrati contribui em todos os debates e nas esferas governamentais para que o Estado ofereça incentivos: modelos de financiamento que permitam maior velocidade de renovação da frota, principalmente visando a um aumento da frota na legislação do Euro 6. Um ponto que pode ser propositivo é diferenciar as operadoras que têm uma agenda mais sustentável, quando avaliada a qualidade da operação dessa empresa, por exemplo, para fins licitatórios.

TECHNIBUS – O setor hoje está mais integrado às políticas de mobilidade urbana e regional? Ou ainda há um distanciamento em relação a essas agendas?

Paulo Porto Lima – A Abrati atua na relação institucional com o poder federal. Nossas associadas são reguladas pelo governo federal, no caso, pela ANTT. Nossa agenda foca no transporte rodoviário interestadual de passageiros, deixando o papel regional para as federações locais.

TECHNIBUS – Olhando para o futuro, que tipo de transporte rodoviário de passageiros o senhor imagina nos próximos dez ou 20 anos?

Paulo Porto Lima – Um transporte cujos modais estejam mais integrados. Vejo muita complementaridade entre avião, ônibus, metrô e trem. Vejo também uma compra remota, que integre todos os modais e que, inclusive, possa integrar a hospedagem. O Brasil tem um imenso potencial turístico regional e precisamos aproveitar mais isso, inserindo o transporte rodoviário regular de vez no turismo. Teremos veículos cada vez menos poluentes e mais tecnologia embarcada, e uma competitividade ampla, mas saudável, alcançada especialmente com simetria regulatória. E espero, claro, um órgão regulador mais técnico e independente da gestão político-partidária.

TECHNIBUS – Que mensagem o senhor gostaria de deixar para as novas lideranças do setor que estão chegando agora?

Paulo Porto Lima – Preparem-se! Cada vez mais, o mercado exige um nível de especialização e técnica refinados. Não há espaço para amadorismo nem para enganos. Os equipamentos são sofisticados e os processos mais fluídos, porém a gestão precisa ser cada vez mais profissional. A era do pioneirismo e da improvisação ficou para a história – uma bela história – mas hoje o tempo é de alta performance, estratégia e muita resiliência empresarial para adaptar-se às adversidades com o menor impacto possível no negócio.

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