Por Márcia Pinna Raspanti
Technibus – Com as mudanças na lei dos Motoristas Profissionais (lei 13.103/15) determinadas pelo STF, o que muda nas empresas do transporte por fretamento?
Emerson Imbronizio – Essas mudanças nos afetam e muito. Porque por essa lei, nós podíamos fracionar as 11 horas de intervalo do motorista em nove horas e mais duas, ou oito horas e mais três. E na operação do fretamento, quando transportamos os funcionários das indústrias, a gente utiliza esse fracionamento de descanso porque o motorista tem muitos intervalos durante o dia e ele não consegue, muitas vezes, fazer essas 11h de descanso de um dia para o outro. Então, a gente utilizava essas duas ou três horas de descanso durante o dia e completava durante a noite. Com essa mudança, vai nos impactar bastante e inclusive teremos que pagar horas extras. Ou seja, encarece e dificulta nossa operação no fretamento contínuo. E outro ponto muito importante, e que impacta muito, é o segundo motorista nas viagens mais longas de turismo. No fretamento para turismo, quando se faz uma viagem acima de 400 km, normalmente as empresas colocam um segundo motorista. Nos ônibus de viagem, geralmente eles têm uma pequena cabine com cama, ar-condicionado e até televisão, onde eles vão deitados e descansando. Neste período, um motorista está trabalhando e o segundo está em momento de descanso. Pelo novo entendimento do STF, se o motorista estiver embarcado e o veículo estiver em movimento, ele está trabalhando, está em jornada de trabalho. Então, se vamos fazer uma viagem longa, os dois motoristas, tanto o que está dormindo quando o que está na direção, são considerados em jornada de trabalho. No turismo, não há uma rota fixa em que podemos deixar um motorista num ponto de substituição: a gente já tem que sair da origem até o destino com dois motoristas. Essa mudança afeta muito as empresas de turismo, diferente das linhas regulares, que têm os pontos de apoio nas estradas, seja em um posto de gasolina, seja em rodoviárias, onde eles podem fazer a substituição do condutor. No nosso caso, a gente não consegue. Então, estamos tentando sensibilizar as autoridades nessa questão para ver se conseguimos ver se volta ao que era.
É importante dizer que é muito diferente o ônibus do caminhão, pois no caminhão o segundo motorista, muitas vezes, está sentado ao lado do outro, e não tem o descanso ideal. Mas nos carros de turismo não, ele tem uma cabine, uma poltrona-leito, um lugar adequado para descansar. O transporte por fretamento tem especificidades, e é preciso não tratar nossos profissionais como se fossem motoristas de caminhão. Porque quando eles pensaram nisso, pensaram somente no caminhão. No tempo de espera, o motorista de caminhão realmente não tem a mesma condição de um motorista de ônibus, mas não levaram isso em consideração e não pensaram principalmente no turismo. E isso vai impactar diretamente no turismo rodoviário: algumas rotas é melhor nem fazer do que você correr o risco de ser multado, de sofrer uma ação trabalhista. Isso nos deixa muito vulneráveis. No turismo, realmente você precisa do segundo motorista e ele precisa estar embarcado.
Technibus – E sobre a obrigatoriedade da plataforma elevatória em toda a frota das empresas de fretamento?
Emerson Imbronizio – Hoje você não consegue comprar nenhum veículo, seja ônibus ou micro-ônibus, se não tiver a plataforma de acessibilidade. E é um equipamento que no fretamento contínuo, no transporte de funcionários de indústrias, não é utilizado. Muitas vezes, o ônibus está em uma rua estreita, onde não passam dois veículos, e se o motorista for parar para fazer o embarque do deficiente, vai demorar pelo menos dez minutos. E ele vai ser apedrejado na rua, não é? E os passageiros já embarcados também reclamam. Como o serviço é para o setor privado, o cliente já especifica na contratação se vai precisar de um veículo adaptado para cadeirante. E, nesse caso, a gente utiliza a van, que é um carro muito mais rápido e prático, podendo até entrar na garagem do passageiro. Eu tenho hoje cerca de 600 veículos na frota, sendo que uns 150 já têm plataforma elevatória, e nunca utilizamos o equipamento. Nunca, nenhuma vez sequer. Vamos considerar que cada plataforma custa R$ 30 mil, então pensa no valor do investimento em um equipamento que nunca vai ser utilizado. Eu tenho cinco vans adaptadas que são os veículos que realmente transportam os cadeirantes. Muitas vezes, o cadeirante não consegue chegar até o ponto de embarque do ônibus fretado, aí a esposa tem que levar ele no carro até o lugar de embarque, ajudar a embarcar, depois ajudar a desembarcar. E tudo isso é muito complicado. Com a van, a gente vai até a casa do colaborador, faz o embarque de forma rápida e fácil, deixa ele dentro da indústria, porque as indústrias têm estacionamento para ônibus que ficam distantes da entrada, mas a van pode deixar o cadeirante na porta. Isso tudo facilita muito para o próprio colaborador.
Technibus – E no turismo, a dificuldade é a mesma?
Emerson Imbronizio – No caso do fretamento para turismo, eu até acho que a plataforma elevatória é um transtorno menor, não afeta tanto, mas no fretamento não tem a menor necessidade de uma frota adaptada. No turismo, a frota é bem menor. E você, às vezes, realmente precisa de um ônibus com plataforma elevatória. Então, com 5% a 10% da frota adaptada, a gente consegue atender qualquer demanda de turismo. Não tem problema nenhum. Agora, ter 100% da frota com o elevador para cadeirante é rasgar dinheiro, jogar dinheiro no lixo. Pleiteamos, para o fretamento em geral (turismo e contínuo), o que foi concedido para outros segmentos: as locadoras de veículos precisam ter 5% da frota adaptada e os táxis 10%. Queremos que nos coloquem com um desses percentuais. Assim, estaremos atendendo à demanda do mercado e não seremos onerados, pois não haveria um aumento nos custos como acontece atualmente. A plataforma também exige manutenção, principalmente porque não é usada. Sem falar do peso, um equipamento deste pesa cerca de 350 kg. É peso a mais no veículo e ainda reduz o espaço para os passageiros, e é completamente desnecessário.
Technibus – O setor tem discutido muito a desoneração da folha de pagamento. Como as empresas de fretamento enxergam essa questão?
Emerson Imbronizio – O transporte coletivo público está desonerado, mas o fretamento, por ser um serviço privado, não está incluído. E a gente entrega tanto quanto o transporte coletivo público. A quantidade de motoristas do transporte coletivo é a mesma do fretado e, mesmo assim, não estamos incluídos na desoneração. A gente recolhe 20% de encargos e eles recolhem 2%. Isso impacta bastante e dificulta o nosso trabalho. Hoje, o fretamento é um complemento do transporte público das grandes cidades. Porque nós rodamos nos horários de pico, portanto desafogamos o transporte público e também o trânsito das grandes cidades. Então, o governo deveria nos enxergar diferente. Nos fomos vistos a vida inteira como o patinho feio, diziam que nós roubávamos o passageiro do transporte coletivo público. Hoje não é mais assim. Somos uma alternativa, pois o transporte coletivo tem baixa demanda fora dos horários de pico. Sem o fretamento, eles teriam que ter uma frota muito maior para atender só a demanda de pico, e isso oneraria o sistema, que hoje já está em uma situação complicada. No fretamento, o trabalhador vai sentado, descansando, é fantástico. Quando a empresa adota o fretamento, raramente volta atrás, porque dá um conforto ao colaborador muito grande. E bem mais sustentável que o transporte individual, um ônibus micro de 30 lugares, tira bem uns 20 carros das ruas, ajudando muito a mobilidade urbana.
Technibus – E a reforma tributária deve afetar positivamente o setor de fretamento?
Emerson Imbronizio – Na reforma tributária, o transporte público deve conseguir desoneração total. Para nós, houve redução de 60%, o que já consideramos muito bom. Essa alíquota única para o fretamento é muito boa, porque muitas empresas rodam em vários municípios. Por exemplo, se a empresa atende a região metropolitana de Curitiba, que tem 17 municípios. Cada vez que você entra em um município, você fica submetido às regras daquele município, por conta da arrecadação. Se houver uma regra única e um imposto único, isso vai reduzir bastante a burocracia para nós e ficará mais fácil de trabalhar. Como nos incluíram como alíquota única, acredito que a reforma tributária será benéfica para o nosso setor.
Technibus – De que forma o empresário pode lidar melhor com as mudanças na legislação?
Emerson Imbronizio – Acho que os empresários têm que estar mais próximos de suas entidades, sejam elas sindicatos, federações ou associações. Nós hoje utilizamos muito a CNT, a nossa força em Brasília. E temos que trabalhar na base, nos municípios e nos estados. Recentemente aconteceu um acidente com um ônibus que transportava torcedores do Corinthians. Isso caiu como uma bomba na sociedade. Já se fala em criar uma nova legislação no meu estado, o Paraná. Então, a cada dia você é pego de surpresa por essas novidades: o Legislativo quer sempre avançar, aumentar a contribuição, para tudo quer criar regras e taxas. Isso acaba nos onerando. Hoje uma empresa de fretamento paga uma taxa municipal, uma estadual e outra federal. Então, às vezes, você paga três impostos para um veículo. Fora toda a legislação que temos que cumprir, precisa ter lista de passageiros, Monitriip, seguros de diferentes valores. Então, é bastante complexo. Nesse cenário, é fundamental contar com as entidades. Como empresário, você já tem que se defender da concorrência, tem que lutar para sobreviver, e ainda todas essas exigências para fazer o negócio andar.
Technibus – Como os aplicativos que oferecem o ‘fretamento colaborativo’ afetam o mercado de fretamento?
Emerson Imbronizio – Nós entendemos que esse chamado ‘fretamento colaborativo’ é um pirata mascarado como legal. Não existem empresas grandes de fretamento que estejam trabalhando com essas plataformas que atuam desta forma. Normalmente, são empresários de um ou dois ônibus que não conseguem se estabelecer no mercado, e buscam uma plataforma dessas para se sustentar. E quando esse tipo de empresário tira o serviço de uma empresa de linha transporte rodoviário regular, que é legalizada, essa empresa acaba buscando outras oportunidades no turismo, pois ficou com parte da frota parada por conta de um clandestino ou de uma plataforma dessas. E essa empresa de linha regular tira o serviço do fretamento. E o turismo faz parte do nosso mercado, a gente tem veículos feitos só para atuar no turismo. Ou seja, o clandestino invade o espaço das linhas regulares e essas acabam invadindo também o nosso mercado, não apenas no fretamento de turismo, mas também no contínuo. Isso desestabiliza tudo, o transporte rodoviário regular, o turismo e o fretamento. Por isso, estamos juntamente com a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), lutando com eles para que esse tipo de transporte caia por terra. O circuito fechado é realmente o transporte de turismo, já o circuito aberto é o clandestino querendo operar nas linhas regulares. O fretamento colaborativo desequilibra o mercado: perde o transporte rodoviário regular, perde o turismo e perde o fretamento contínuo. Muitas vezes, por causa de um clandestino que não consegue se estabelecer.