Wesley Ferro Nogueira, do Instituto MDT: Afinal, será mesmo possível construir um Sistema Único da Mobilidade?

O economista e secretário-executivo do Instituto Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT) explica o surgimento e o objetivo essencial de um sistema único para o transporte urbano

Alexandre Asquini

Technibus – O senhor pode explicar, em poucas palavras, o que é a ideia de um Sistema Único de Mobilidade (SUM)?

Wesley Ferro Nogueira – Avalio que o SUM seja a garantia básica para que a política de mobilidade possa se institucionalizar no país, passando a integrar a agenda efetiva de todos os entes federados. Ou seja, significaria o compromisso da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios com a alocação de recursos em suas dotações orçamentárias para o financiamento da política. Assim como os outros sistemas únicos existentes, o SUM se apresenta como a materialização de um arranjo interfederativo entre os entes, no qual há o exercício efetivo de corresponsabilidade das ações, cofinanciamento, viabilização de fontes diversificadas de recursos com transferências via fundo a fundo, estruturação da gestão pública, controle social e garantia da universalização do direito de acesso à cidade.

Technibus – Como essa proposta surgiu?

Wesley Ferro Nogueira – A proposta do SUM foi construída a partir de reflexões internas no Instituto MDT acerca da fragilidade, do isolamento e da dispersão da política de mobilidade urbana, tomando como referência as experiências exitosas de outros sistemas, como o SUS (Sistema Único de Saúde) e o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), que contribuíram para a estruturação das respectivas políticas nesses setores. Apresentamos a proposta pela primeira vez no Congresso da ANTP, em São Paulo, em 2017. Naquela ocasião, tínhamos apenas algumas ideias vagas acerca do que poderia ser o SUM.

Technibus – Como essa proposta evoluiu nesses oito anos? Existe alguma iniciativa no Congresso para transformá-la em lei?

Wesley Ferro Nogueira – Ainda em 2017, junto com as primeiras anotações, chegamos também a elaborar uma proposta de minuta do que poderia ser a Lei Orgânica do SUM, com o detalhamento de atribuições, responsabilidades, fontes de financiamento, estruturas etc. A partir daí, nos dedicamos a apresentar a proposta em todos os eventos e atividades em que o Instituto MDT esteve presente.

Technibus – Era a busca por difundir a ideia e angariar apoio para um projeto?

Wesley Ferro Nogueira – Na verdade, fazíamos essa apresentação sempre de forma bem discreta, até porque ainda não tínhamos explicações para muitas questões acerca do que poderia ser o SUM. Sabíamos que deveria seguir as premissas gerais dos outros sistemas únicos, mas também que traria aspectos diferenciados no âmbito da mobilidade urbana. Alguns serviços, como o transporte público coletivo, já eram de responsabilidade dos entes municipais, no caso do transporte urbano, e dos estados, no caso do transporte metropolitano.

Technibus – Quando a ideia ganhou tração?

Wesley Ferro Nogueira – Foi somente em 2023 que conseguimos avançar na estruturação de uma proposta mais robusta. A partir de uma análise comparativa entre todos os sistemas únicos existentes no país, que resultou em um documento técnico, produzimos também a publicação Fundamentação da implementação do Sistema Único de Mobilidade Urbana (SUM) no Brasil (disponível por meio de link ao final desta entrevista). No mesmo ano, a deputada Luíza Erundina (PSOL/SP) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº 25/2023). Essa proposta insere um dispositivo na Constituição Federal para oferecer diretrizes sobre o direito social ao transporte previsto no art. 6º e sobre o Sistema Único de Mobilidade. Além disso, autoriza a União, o Distrito Federal e os municípios a instituírem contribuição pelo uso do sistema viário, destinada ao custeio do transporte público coletivo urbano. Também defende um programa de tarifa zero.

Technibus – E em que situação está essa proposta atualmente?

Wesley Ferro Nogueira – A proposta encontra-se parada há algum tempo na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, onde aguarda autorização para a apresentação do parecer do relator designado para a apreciação da matéria.

Technibus – Quais as chances de isso tornar-se realidade em relativamente pouco tempo?

Wesley Ferro Nogueira – No atual estágio de intensa polarização ideológica no país, o SUM apresenta poucas chances de viabilização, mas o seu nascimento dentro da Constituição Federal, por meio de uma PEC, é um caminho imprescindível para o processo.

NA ARENA ANTP 2025

Technibus – Quais foram os principais tópicos debatidos na sessão do Arena ANTP 2025? A que conclusões os senhores chegaram nesse debate?

Wesley Ferro Nogueira – O debate contou com a participação de três convidados. O primeiro a fazer sua exposição foi Carlos Alberto Batinga, ex-superintendente de Mobilidade Urbana de Natal, Salvador e João Pessoa. Ele falou sobre a experiência do GEIPOT, sigla que designava o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes, órgão que atuou no Brasil de 1965 até ser extinto em 2002, e sobre o trabalho da EBTU, a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos, empresa pública federal extinta em 1991, criada em 1976 para ser o órgão central do Sistema Nacional de Transportes Urbanos. Naquele momento, o governo federal assumia o protagonismo na condução da política de transporte público no país, apoiando os outros entes na formulação de projetos, na formação e qualificação de equipes técnicas e no financiamento de ações — premissas que são defendidas para um ambiente com um Sistema Único de Mobilidade Urbana (SUM).

Technibus – A segunda exposição coube a quem?

Wesley Ferro Nogueira – Antônio Maria Espósito Neto, coordenador-geral de Regulação da Mobilidade Urbana da Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades. Ele abordou as discussões travadas nesse ministério para a criação de uma Empresa Nacional de Mobilidade Urbana (ENMU), tema proposto no projeto de lei do Marco Legal da Mobilidade Urbana, em tramitação na Câmara dos Deputados, que vai assumir o papel de estabelecer o embrião de um arranjo interfederativo para a execução da política — outra diretriz prevista no SUM.

Technibus – E a terceira e última apresentação?

Wesley Ferro Nogueira – O terceiro expositor foi Renato Boareto, especialista em planejamento da mobilidade urbana e gestão ambiental. Ele apresentou o documento técnico com a fundamentação do SUM, detalhando questões como as estratégias e metas nacionais previstas, as fontes de financiamento, as responsabilidades etc. Houve um consenso de que a aprovação do Marco Legal da Mobilidade Urbana é extremamente necessária para a criação de um arcabouço jurídico que regulamente e garanta fontes de financiamento e segurança ao transporte público, mas que a aprovação da ENMU e a criação do SUM são fundamentais para a consolidação da política de mobilidade urbana no país, a partir do comprometimento institucional de todos os entes federados. O pacto interfederativo é a garantia para a implementação dessa política.

Technibus – Que resumo o senhor poderia fazer dos debates?

Wesley Ferro Nogueira – Os sistemas únicos estão submetidos a um processo permanente de construção e aprimoramento, sempre na perspectiva do alcance da universalização das respectivas políticas públicas, o que é uma tarefa muito complexa. Não há sistema definitivamente pronto. Estamos ainda muito distantes da viabilização de um projeto de Sistema Único de Mobilidade Urbana, por todas as questões que envolvem essa política, mas, de qualquer forma, o processo precisa ser impulsionado, e uma primeira etapa é a introdução do tema na Constituição Federal, por meio de uma PEC, para que todo o desdobramento seguinte possa acontecer. Nesse sentido, é necessário um trabalho consistente de convencimento dos parlamentares no Congresso Nacional.

Acesse a publicação do Instituto MDT intitulada Fundamentação da implementação do Sistema Único de Mobilidade Urbana (SUM) no Brasil:https://institutomdt.org.br/wp-content/uploads/2023/08/Fundamentacao-da-Implementacao-do-SUM.pdf

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