Technibus – O que tem contribuído para o crescimento da frota de ônibus elétricos na América Latina?
Eduardo Siqueira – O crescimento acelerado da frota de ônibus elétricos na América Latina se deve a uma combinação de fatores tecnológicos, políticos, econômicos e estruturais. Entre 2017 e 2024, a frota regional passou de 801 veículos — em sua maioria trólebus — para 6.055 ônibus elétricos, registrando uma taxa média anual de crescimento de 33,5%. Esse avanço foi impulsionado inicialmente pela adoção de ônibus elétricos a bateria no Chile e na Colômbia, seguida pela expansão no Brasil e no México.
Technibus – O ambiente está favorável ao investimento em ônibus elétricos na região?
Eduardo Siqueira – Sim. Há um ambiente especialmente favorável ao investimento em ônibus elétricos na região. A América Latina é a segunda região mais urbanizada do mundo, com 84% da população vivendo em cidades em 2022, e apresenta um dos maiores índices globais de uso de transporte público, responsável por 68% das viagens de passageiros. Isso torna o transporte coletivo um eixo central das políticas de mobilidade urbana e uma porta de entrada estratégica para a eletrificação em larga escala.
Technibus – Como estão as políticas de mobilidade sustentável?
Eduardo Siqueira – A pressão por reduzir emissões e melhorar a qualidade do ar tem levado governos nacionais e locais a adotar políticas de mobilidade sustentável, padrões de emissões mais rígidos e incentivos para tecnologias de emissões zero. Segundo Thomas Maltese, head de ônibus elétricos, “as cidades latino-americanas estão liderando a transição para um transporte limpo, acessível e equitativo com apoio de redes internacionais como C40 e ICCT, por meio da Aliança Zebra”. Outro fator-chave é a matriz elétrica da região, que possui alta participação das energias renováveis, as quais ampliam os benefícios ambientais da eletrificação ao garantir que esses ônibus sejam abastecidos com energia mais limpa.
Technibus – Como o senhor avalia esse avanço?
Eduardo Siqueira – O avanço da frota de ônibus elétricos na América Latina tem sido impulsionado pela alta necessidade de um transporte público eficiente nas grandes cidades, pela forte urbanização e também por necessidade de soluções de mobilidade limpa, compromissos climáticos e políticas públicas voltadas para redução de emissões, disponibilidade de energia renovável na matriz elétrica, maior apoio internacional e surgimento de modelos de financiamento e operação mais viáveis e avanços tecnológicos que tornaram os ônibus elétricos a bateria mais atrativos e operacionais. Esse conjunto de fatores tem criado um ambiente propício para a expansão rápida e contínua da eletromobilidade no transporte coletivo urbano da região.
Technibus – Onde está a maior concentração de ônibus elétricos na América Latina?
Eduardo Siqueira – Atualmente, a maior concentração de ônibus elétricos da América Latina se encontra no Chile, com 2.761 veículos. O Brasil se posiciona como o terceiro país da América Latina com maior número de ônibus elétricos em circulação, com grande destaque para a cidade de São Paulo, a qual concentra 72% dos 1.166 veículos brasileiros.
Technibus – O que falta para o Brasil avançar mais e acompanhar o ritmo de crescimento dos demais países da América Latina?
Eduardo Siqueira – Entre os fatores que podem impulsionar a adoção de ônibus elétricos no cenário brasileiro são mencionados com grande frequência: o ambiente regulatório mais claro e estruturado, com políticas públicas coordenadas que incentivem a eletrificação da frota de forma consistente e de longo prazo; padronização e certificação dos equipamentos e sistemas de recarga, além de uma ampliação da infraestrutura, garantindo segurança, interoperabilidade e confiança para o mercado; maior articulação entre os diversos níveis de governo e setores envolvidos, promovendo diretrizes nacionais alinhadas com metas de mobilidade sustentável; incentivos financeiros e fiscais mais robustos e previsíveis, que impulsionem investimentos privados em tecnologia, produção local e infraestrutura.
Technibus – O período de construção, adaptação e estabelecimento das bases produtivas e tecnológicas necessárias para a expansão da indústria de ônibus elétricos já está estruturado? Ou ainda faltam muitos ajustes a serem feitos?
Eduardo Siqueira – O Brasil já avançou de forma significativa na construção das bases produtivas para a indústria de ônibus elétricos, mas ainda enfrenta desafios relevantes para consolidar esse ecossistema em larga escala. Empresas como BYD, Eletra, Marcopolo já produzem chassis elétricos no país, o que representa um passo importante na redução da dependência de importações e no fortalecimento da cadeia produtiva nacional. No entanto, esse período de estruturação ainda não está totalmente concluído. Persistem pontos críticos que exigem ajustes e coordenação, como:
- Infraestrutura de recarga: a capacidade atual das garagens permite uma adoção inicial, mas a expansão em grande escala demanda investimentos robustos em estações de carregamento e redes de energia.
- Custo elevado dos veículos e das baterias: o preço ainda é um fator limitante. A produção local de baterias e componentes estratégicos é essencial para reduzir custos e tornar o modelo mais competitivo.
- Dependência tecnológica externa: partes-chave, como baterias e sistemas eletrônicos, ainda são importadas. A nacionalização desses itens é fundamental para garantir competitividade e segurança da cadeia.
- Regulação e políticas públicas: a expansão da frota elétrica depende de diretrizes claras, instrumentos de incentivo e modelos de financiamento consistentes, como os já utilizados em projetos de grandes capitais.
- Garantia de suprimento energético: a eletrificação exige planejamento para assegurar capacidade energética adequada e evitar sobrecargas no sistema.Portanto, embora o país já tenha iniciado com solidez a construção de sua base produtiva, a plena consolidação da indústria de ônibus elétricos ainda depende de avanços coordenados em infraestrutura, tecnologia, custos, políticas públicas e planejamento energético.
Technibus – O que precisa ser feito para superar os desafios na implementação da frota de ônibus elétricos?
Eduardo Siqueira – A transição para ônibus elétricos exige ações integradas em diferentes áreas. Entre as principais medidas necessárias estão:
- Planejamento e governança: estabelecer metas e prazos claros de descarbonização, por meio de leis, decretos ou planos climáticos. Criar um órgão/comitê responsável por fiscalizar, monitorar e ajustar a implementação das metas. Regulamentar a separação de ativos para facilitar a entrada de novos investidores e operadores.
- Financiamento e sustentabilidade econômica: implantar modelos de remuneração baseados no serviço prestado, e não apenas no número de passageiros. Garantir o controle público da bilhetagem para transparência no fluxo de receitas. Inserir subsídios, incentivos fiscais ou investimentos públicos diretos nos contratos vigentes. Criar um fundo municipal para financiar o transporte público, com fontes alternativas além da bilhetagem.
- Infraestrutura e relação com o setor elétrico: disponibilizar terrenos e espaços públicos para recarga e adaptação de garagens. Articular com concessionárias de energia para planejar capacidade da rede, definir responsabilidades e negociar tarifas.
- Relação com a indústria e cadeia produtiva: dialogar com fabricantes para demonstrar demanda, negociando melhores condições e incentivando o aumento da oferta de veículos elétricos.
- Engajamento social e comunicação: realizar testes-piloto com divulgação ampla dos resultados. Ouvir usuários e trabalhadores para entender percepções e orientar a transição. Desenvolver uma estratégia de comunicação pública que destaque os benefícios para a saúde, o meio ambiente e a qualidade do transporte.
- Capacitação e inclusão: estabelecer treinamentos obrigatórios e regulares sobre tecnologias de emissão zero. Garantir paridade de gênero e raça nas equipes e processos de capacitação. Formar grupos de trabalho intersetoriais, com participação do poder público, operadoras e sociedade civil.
Technibus – Para 2026, quais as expectativas para a frota de ônibus elétricos na América Latina?
Eduardo Siqueira – Em outubro de 2023, um estudo produzido pela C40 Cities estimou um número total de 8.163 ônibus elétricos em circulação na América Latina ao final de 2025. Além disso, a organização também espera que uma frota de mais de 25 mil ônibus elétricos seja implantada até o final desta década na região.
Technibus – Qual o impacto da eletrificação das frotas de ônibus para a saúde da população?
Eduardo Siqueira – A eletrificação das frotas de ônibus tem um impacto direto e positivo na saúde da população, especialmente das pessoas que vivem e circulam nas grandes regiões metropolitanas, onde o transporte coletivo é majoritariamente movido a diesel. Além de reduzirem os gases de efeito estufa, os ônibus elétricos eliminam a emissão de material particulado (MP) e de óxidos de nitrogênio (NOx), dois dos principais poluentes associados ao transporte rodoviário pesado. A exposição ao MP e aos NOx gerados pela queima de combustíveis fósseis está associada a casos de asma, bronquite, AVC, infarto e outras doenças respiratórias e cardiovasculares, com maior impacto sobre crianças, idosos e populações que vivem em corredores de tráfego intenso. No Brasil, a poluição atmosférica nas principais capitais e regiões metropolitanas está relacionada a cerca de 20,5 mil mortes por ano, além de ser responsável por 5,2% das internações de crianças e 8,3% das internações de adultos por doenças respiratórias. Portanto, substituir os ônibus a diesel por veículos elétricos representa uma medida de saúde pública urgente. Estudos indicam que a cada 1% da frota eletrificada, as emissões de gases do efeito estufa diminuem em cerca de 1,37%, o que gera uma economia anual estimada entre R$ 54,4 milhões e R$ 62,1 milhões considerando apenas o custo social do carbono.
Fique por dentro das principais notícias e novidades do mundo do Transporte Coletivo e da Mobilidade:
Acompanhe o Canal Technibus no WhatsApp
Acompanhe as nossas redes sociais: Linkedin, Instagram e Facebook
Ouça o Podcast do Transporte



