Estive, pela primeira vez, na Busworld, a maior feira exclusivamente de ônibus do mundo. O evento, que reuniu mais de 500 expositores e dezenas de milhares de visitantes na capital belga, foi uma aula de orquestração. Entre veículos de todos os tipos, do caderno técnico ao arranjo de marca, ficou evidente que o Brasil já toca boa música no transporte rodoviário. No entanto, o excesso de improviso, uma herança cultural por vezes perigosa, ameaça nos vulgarizar e nos prender ao coro da comoditização, onde a única nota é a tarifa.
A melodia do futuro, ecoada em todos os pavilhões, tem três acordes principais: transição energética, arquitetura eletrônica e segurança como referência.
A Sinfonia Energética e Digital
A transição energética saiu do plano teórico e mostrou suas vias práticas. Além dos consagrados elétricos a bateria, o hidrogênio se consolidou em duas frentes: os FCEV (veículos elétricos com célula a combustível, que emite apenas vapor d’água) e os motores de combustão adaptados para queimar H₂ diretamente, uma solução promissora para ganhos de autonomia.
No palco digital, a Mercedes-Benz/Daimler Buses apresentou seu primeiro intermunicipal elétrico com autonomia de até 500 km e uma arquitetura preparada para atualizações Over-the-Air (OTA). Mais do que um luxo, a tecnologia OTA é a partitura para a eficiência: permite atualizar software, calibrar sistemas de assistência ao motorista (ADAS) e gerenciar energia remotamente, sem imobilizar o veículo na oficina. É a antítese do improviso, é a gestão proativa que evita a ociosidade e protege a margem.
O Brasil no Palco Mundial e o Brado pela Segurança
A presença brasileira deu o tom com a Marcopolo, que em parceria com a Volvo, levou o Paradiso G8 1200 para conquistar mercados como França e Itália. Uma carroceria projetada no Brasil, atendendo às rígidas normas europeias, é mais que uma vitrine; é um termômetro da nossa capacidade de exportar padrão, e não apenas produto.
E o padrão europeu, regido pela General Safety Regulation (GSR), grita uma lição óbvia: ADAS precisa sair do catálogo de opcionais e entrar na especificação de base. Frenagem autônoma de emergência, detecção de ponto cego, alerta de fadiga e assistente de permanência em faixa não são mais gadgets; são itens de segurança que salvam vidas. A Europa os torna obrigatórios. No Brasil, deveriam ser o “básico” antes mesmo de virar lei.
Do Improviso ao Arranjo: A Gestão que Vira Marca
Pessoalmente defendo, sabendo que alguns maestros torceram o nariz, que antecipar padrões de segurança e manutenção são estratégias de negócio no Brasil. Em 2024, registros oficiais apontam 69 ocorrências com ônibus queimados e 49 mortes em rodovias federais envolvendo ônibus (regulares e clandestinos, sem distinção, e talvez subnotificados). No entanto, mesmo sem fatiar por legalidade da operação (regular ou clandestina), o recado é o mesmo: sinistro custa vida, reputação e caixa.
Quando trazemos melhores práticas para o sistema regular e cobramos diferenciação regulatória entre bons e maus operadores, ganhamos em:
- Segurança e disponibilidade: queda de sinistros (especialmente traseiras e atropelamentos), menos ociosidade de frota para reparo.
- Custo operacional: pneus e energia/combustível melhor geridos por telemetria, eco-driving e manutenção preditiva.
- Valor de marca: segurança percebida como atributo, não como discurso, traduzida em NPS, preferência e yield.
“Partitura” na prática: check-list para quem quer sair do samba-canção:
Para quem quer deixar o improviso de lado e reger uma operação de excelência, a “partitura” na prática exige: adote ADAS e monitoramento como baseline (não opcional). Inclua requisitos de cibersegurança e capacidade de atualização remota. Vibração, temperatura, pressão são códigos de falha que tem que virar ordens de serviço automáticas para reduzir a imobilização.
Branding que nasce do técnico – A promessa da marca (“segurança”, “conforto”, “eficiência”) precisa estar assinada por métricas e auditoria. Sem isso, é apenas jingle. Com isso, é sinfonia. Sem decreto, com direção.
No Brasil profissional o padrão não deve nascer por decreto. Deve nascer de gestão eficiente orientada a dados e da coragem de subir a régua antes do regulador. Quem reger ESG com indicadores sólidos transformará tecnologia em preferência de compra e conquistará, na estrada, uma plateia cativa.
A Busworld deixou claro que o futuro do transporte rodoviário não pertence a quem compra mais “instrumentos” tecnológicos, mas a quem escreve a melhor partitura de gestão. É com processos que orquestram a operação, que o setor rodoviário brasileiro deixará para trás o chorinho da tarifa e chega à sinfonia do valor percebido e da competitividade sustentável. Na estrada, a plateia já espera por isso.
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