TECHNIBUS – O que falta para o uso do biometano no transporte ‘decolar’ no Brasil?
Gustavo Bonini – Na verdade, já decolou. Temos uma realidade totalmente diferente de quando a gente começou a industrializar esses veículos na nossa planta de Bernardo do Campo (SP), em 2018. Naquela época, a gente já via o potencial, e vemos hoje que estávamos certos em acreditar na vocação que o nosso país tem para o uso do biometano. Iniciamos a fabricação do produto aqui porque entendemos também que a sustentabilidade está em produzir no país onde se está vivendo, ou seja, a gente investe também na questão do emprego, da renda, do desenvolvimento sustentável da produção e de um centro de pesquisa e desenvolvimento. Tem tudo a ver com a descarbonização e com a sustentabilidade. E de lá para cá, isso veio avançando. A Scania já comercializou diversos veículos no Brasil. E quando falamos especificamente de chassis de ônibus, fizemos uma grande exportação mais de 2.000 unidades para a Colômbia ao longo dos últimos anos, que hoje é uma referência é no sistema BRT. Como empresa, a gente fica muito satisfeito, mas como o brasileiro, eu fiquei um pouco frustrado porque queria ver esse mesmo tamanho de frota aqui no Brasil. Mas essa frustração passou. Na abertura do Fórum do Biogás, o prefeito Ricardo Nunes comentou sobre o avanço da discussão do biometano, então a gente tem uma expectativa muito positiva de crescimento deste mercado no país. São Paulo é uma referência com mais de 13.000 ônibus, é uma referência para o nosso país, para todos os municípios, e isso mostra também o quanto o biometano já é de conhecimento geral da sociedade, dos governos e das empresas. Lá pra trás quando se falava do biometano, dava a impressão que se falava de uma tecnologia absurda, que a gente nunca teria em nosso país. Quando na realidade é algo muito simples do ponto de vista de a gente conseguir industrializar e fazer. E é esse crescimento que a gente está vendo agora.
TECHNIBUS – Na sua avaliação, é possível avançar em termos de abastecimento e logística do biometano? Porque se fala muito dos problemas de abastecimento e de infraestrutura para a eletrificação, mas o biometano também precisa de estrutura e capilaridade.
Gustavo Bonini – Eu creio que quando a gente fala de infraestrutura no nosso país sempre há o que crescer. Vamos lembrar que o Brasil tem apenas 12% da malha rodoviária federal é asfaltada. Eu acho que esse número já mostra que quando se fala dos combustíveis alternativos e renováveis e da eletrificação, ainda vai levar um tempo obviamente até a gente conseguir ficar como alguns países ricos da Europa e outros países em outras regiões que estão mais avançados. No entanto, a gente já tem hoje, infraestrutura suficiente e necessária. Vamos pegar o exemplo dos caminhões que percorrem longas distâncias, e serve também para falar de ônibus. Já é possível, com o caminhão a gás, percorrer toda a costa brasileira porque há postos de abastecimento implementados nessas regiões. No estado de São Paulo que já tem uma malha de abastecimento de gás, pode-se percorrer e transportar todas as cargas do estado com caminhão a gás, o que mostra que já há uma capilaridade do gás – e o biometano vem em conjunto com isso. Agora nós temos a política pública do combustível do futuro, que prevê a injeção de pelo menos 1% de biometano na rede a partir do ano que vem, crescendo até 10%. Essa é uma medida importante, é claro que a gente sempre olha para uso do biometano, como 100% para não termos emissões de CO² saindo do escapamento. Agora, vamos lembrar que a própria evolução do etanol no nosso país se deu quando você começou a aumentar o percentual junto da gasolina. É ótimo a gente ter 100% etanol também disponível das bombas, mas ter sido utilizado junto com a gasolina foi o que fez o etanol crescer, e assim que a gente enxerga também o biometano. Já é possível ir adicionando uma porcentagem de biometano no gás, principalmente onde há disponibilidade. O noroeste do estado de São Paulo, por exemplo, tem uma grande produção de biometano.
TECHNIBUS – Quais os ganhos ambientais do uso do GNV?
Gustavo Bonini – Eu acho que a vantagem do GNV é a questão imediata das emissões locais, com a redução de particulados, o que é fundamental do ponto de vista ambiental e do ponto de vista da saúde da população. Vamos lembrar que os materiais particulados, como o NOx, causam as doenças inspiratórias e os problemas de saúde que os municípios enfrentam, então eu diria que, nesse sentido, o GNV para o transporte público de imediato traz uma solução para os municípios. Mas é claro que buscamos o biometano, pois é o exemplo perfeito de transformar um passivo ambiental, que é um problema, num ativo energético e renovável dentro dessa própria circularidade do biometano. Enfim, resolve o problema e cria uma solução com uma tacada só.
TECHNIBUS – Tem se falado muito do biometano para o transporte urbano. Mas recentemente Viação Santa Cruz deu início aos testes de um ônibus Scania a biometano para o segmento rodoviário. Qual o potencial do biometano para este segmento?
Gustavo Bonini – Sem dúvida, a questão do biometano no transporte está mais relacionada à vocação regional e a disponibilidade desse combustível. Ele pode ser usado por todos os segmentos. A predominância desse combustível na região é que vai fomentar e permitir que isso faça a evoluir. Já é assim com os caminhões, e com os ônibus não vai ser diferente. A gente fala bastante hoje sobre o uso para ônibus urbano, mas isso vai se estender também para o ônibus de longa distância, fretamento, intermunicipal. Onde tem o gás disponível é uma é uma solução que pode beneficiar toda a sociedade. Os corredores verdes ou sustentáveis ajudam bastante, tanto para caminhões quanto para ônibus que fazem percursos de longa distância e intermunicipal ou de fretamento de uma região para outra e que podem se beneficiar deles. Por isso, a gente defende um avanço na políticas pública do corredor sustentável que visa estimular os postos combustíveis a utilizarem o gás e o biometano, assim como algumas outras medidas estímulo, como por exemplo, a redução do pedágio para veículos movidos a esse combustível. Isso já aconteceu na Europa, temos o exemplo da Alemanha que fez isso com os caminhões da gás. É uma política de sucesso porque ela estimula quem está iniciando, quem está sendo protagonista e quem está à frente de avançar com uma nova tecnologia, ao mesmo tempo, que dá um recado para a sociedade que o setor privado e o setor público estão alinhados com a mesma tecnologia.
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