Renata Isfer, presidente-executiva da ABiogás: “O biometano é uma das soluções mais viáveis e imediatas para a descarbonização do transporte coletivo”

A Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (ABiogás) anuncia uma plataforma inédita em Power BI (Business Inteligence) voltada para o setor, lançada no 12º Fórum do Biogás. Fernanda acredita que, para o transporte coletivo, a novidade significa “orientação estratégica na renovação de frotas e melhor planejamento de corredores abastecidos com biometano”

Marcia Pinna

TECHNIBUS – O biometano é uma alternativa viável para a descarbonização do transporte coletivo?

Renata Isfer – Sem dúvida. O biometano é uma das soluções mais viáveis e imediatas para a descarbonização do transporte coletivo. Ele proporciona redução significativa das emissões de gases de efeito estufa, com estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e da consultoria LCA Consultores/MTempo Capital indicando que, em determinados cenários de ciclo de vida completo (“do berço à roda”), o desempenho climático do biometano é até superior ao da eletricidade, considerando as emissões da produção de baterias e da geração elétrica. Além disso, trata-se de uma tecnologia madura e já disponível, que utiliza a mesma infraestrutura de GNV e motores a gás, garantindo rapidez na implementação, previsibilidade no abastecimento e custo total competitivo. O biometano é oriundo da produção de biogás que permite transformar resíduos orgânicos, considerados passivos ambientais em ativos energéticos.

TECHNIBUS – Por que as iniciativas ainda são pontuais? Quais as dificuldades para incorporar o combustível no transporte coletivo?

Renata Isfer – No Brasil, o biogás e o biometano enfrentam entraves estruturais que precisam ser superados para que o setor alcance todo o seu potencial, inclusive no transporte coletivo. Ainda convivemos com uma regulação fragmentada, marcada pela falta de padronização entre os estados, pelas tarifas elevadas de uso da rede — como TUSD — e pela ausência de uma política nacional integrada que dê previsibilidade aos investimentos. Soma-se a isso a infraestrutura insuficiente: a malha de gasodutos permanece concentrada na faixa litorânea do país, principalmente na região Sudeste e em parte do Sul, o que limita o escoamento e a injeção do biometano em grande escala para o interior do país, dificultando o abastecimento direto das frotas urbanas. Também enfrentamos desafios no acesso a financiamento, que apesar de já existirem hoje em dia ainda carecem de linhas de crédito específicas e adequadas ao perfil do setor. ,  já que os projetos são intensivos em capital. Além disso, a competição desigual com combustíveis fósseis subsidiados, como o gás natural importado e o diesel, que chegam ao mercado brasileiro a preços mais competitivos em várias regiões, reduz a atratividade de alternativas renováveis para empresas de transporte e prefeituras. Por esses motivos, as iniciativas com ônibus a biometano ainda são pontuais, mas, com políticas consistentes, podem se transformar rapidamente em soluções de escala para a mobilidade urbana.

TECHNIBUS – Quais regiões têm melhores condições para expandir o uso do biometano?

Renata Isfer – O Brasil tem potencial em todas as regiões, e por isso o biogás e o biometano são tão importantes e democráticos, pois qualquer matéria-prima orgânica tem potencial de ser transformada no energético. É claro que algumas regiões se destacam, como por exemplo o estado de São Paulo. Segundo o estudo da Fiesp/ABiogás (2025), pode produzir 6,4 milhões m³/dia no curto prazo, o que representaria mais de R$ 30 bilhões em investimentos e 20 mil empregos. O Centro-Oeste (MS, GO, MT) tem grande potencial ligado ao setor agroindustrial, seguido pelo Sul (PR e RS): impulsionado pela suinocultura e avicultura. O Nordeste está em pleno desenvolvimento, e quero destacar aqui a produção de biogás a partir dos resíduos sólidos urbanos e saneamento. Esses polos refletem a necessidade de um planejamento logístico integrado, com corredores sustentáveis de biometano, conforme sugerido pelo estudo paulista.

TECHNIBUS – Como a nova plataforma em Power BI pode ajudar municípios e operadores?
Renata Isfer –
A plataforma inédita em Power BI que será lançada durante o 12º Fórum do Biogás, dias 2 e 3 de setembro, organiza em um só ambiente, todos os incentivos regulatórios, tributários e financeiros relacionados ao biogás e ao biometano. Isso confere transparência e agilidade às decisões de prefeitos, gestores públicos e operadores de transporte, permitindo identificar linhas de crédito, incentivos estaduais e condições regulatórias favoráveis. Para o transporte coletivo, isso significa orientação estratégica na renovação de frotas e melhor planejamento de corredores abastecidos com biometano.

TECHNIBUS – Há incentivos governamentais que podem acelerar esse processo no transporte coletivo?
Renata Isfer –
Sim. No âmbito federal, o Programa Combustível do Futuro (Lei 14.993/2024) cria metas para inserção de biometano no setor de gás natural, com início em 2026. O RenovaBio já permite a emissão de CBIOs pelos produtores, agregando receita adicional. No nível estadual, existem medidas como redução de ICMS (caso de Mato Grosso do Sul) e isenção para uso no transporte coletivo (caso de Goiás), que são fundamentais para destravar investimentos. Quando os municípios incorporarem critérios de emissões nas licitações de ônibus, teremos um círculo virtuoso de demanda. O recém-criado Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) já incluiu o biogás e o biometano entre os setores prioritários para acesso a crédito e financiamento. No plano estadual, medidas como a redução de ICMS e a valorização do atributo ambiental do biometano são fundamentais para garantir competitividade frente ao gás natural fóssil.

TECHNIBUS – Perspectivas para os próximos 10 anos: quais setores devem avançar mais rapidamente?
Renata Isfer –
O Brasil vive um momento de consolidação e escala do biometano. O Mapeamento de projetos de biometano da ABiogás (2025) projeta que a capacidade instalada deve crescer de 1,8 para 8 milhões de m³/dia até 2032, com um potencial de curto prazo de 34,9 milhões de m³/dia. Já o estudo da FIESP/ABiogás (2025) indica que apenas o estado de São Paulo pode alcançar 42,5 milhões de m³/dia no longo prazo, reforçando a relevância estratégica desse energético para a transição brasileira. Nos próximos dez anos, os setores que devem liderar a expansão do biometano são o transporte urbano e pesado, pela urgência em reduzir emissões e substituir o diesel; as indústrias térmicas, como cerâmica, vidro e alimentos, que já demandam alternativas de baixo carbono; e o saneamento e a gestão de resíduos, com destaque para o aproveitamento energético de aterros sanitários e estações de tratamento de esgoto. O biometano tem condições de substituir uma parcela expressiva do consumo de diesel no país, transformando resíduos em energia limpa, empregos e desenvolvimento regional. Com isso, o Brasil pode se consolidar como líder global em bioenergia e economia circular.

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